Casal cujo bebê faleceu por demora excessiva para realização do parto deverá ser indenizado por hospital

Notícias – TJCE 2024-12-11

O Judiciário cearense concedeu a um casal, que perdeu o filho por demora excessiva para a realização do parto, o direito de ser indenizado pelo Hospital e Maternidade São Vicente de Paulo. A decisão, da 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), foi proferida nesta quarta-feira (11/12), sob a relatoria da desembargadora Cleide Alves de Aguiar.

Consta nos autos que o casal planejou a gravidez, realizou todos os exames e não teve qualquer tipo de complicação durante o período de gestação. Ao sentir as dores do parto, a mulher foi internada no hospital em questão, mas logo começou a enfrentar dificuldades relacionadas com a falta de informações sobre seu próprio quadro clínico, sendo informada apenas que ainda não possuía a dilatação necessária para a chegada do bebê, situação que perdurou horas.

No processo, a paciente conta que implorou para ser atendida, pois sabia que o filho estava correndo risco. Após 24 horas da internação, os médicos deram início ao parto, porém, a criança já nasceu sem vida. De acordo com o laudo, a causa da morte foi parada cardiorrespiratória. Uma operação foi feita às pressas e a mulher, sem saber o motivo, continuou internada por mais alguns dias sentindo dores.

Posteriormente, ela descobriu que, durante a cirurgia, a equipe médica havia perfurado sua bexiga, fazendo com que toda a urina produzida pelo corpo acabasse dentro da barriga, o que levou a uma infecção. Sentindo que o falecimento do filho foi causado por irresponsabilidade do hospital e inconformado com o sofrimento adicional causado pelo erro durante a operação, o casal ingressou com ação judicial para requerer uma indenização por danos morais.

Na contestação, a unidade de saúde alegou não ser parte legítima do processo, uma vez que o problema está relacionado com erro médico. Detalhou também que, após a internação, a gestante passou a ser devidamente monitorada e medicada. O hospital defendeu que, durante todo o período, os batimentos cardíacos do bebê, medidos a cada duas horas, estiveram dentro da normalidade.

A unidade de saúde ainda alegou que quando a paciente relatou dores intensas e apresentou sangramento transvaginal moderado, o monitoramento cardiofetal foi adiantado e apresentou resultados negativos. A mulher, então, foi encaminhada para o centro cirúrgico devido à indicação de descolamento prematuro da placenta. Na operação, constatou-se que o feto estava morto. No dia seguinte, o hospital afirmou que a paciente continuou com dores, razão pela qual foi submetida a uma laparotomia exploradora com rafia de bexiga. O São Vicente de Paulo acrescentou que não houve negligência em nenhum momento e que a operação só foi necessária em decorrência das condições clínicas da mulher.

Considerando que a gestante e o feto chegaram às dependências hospitalares saudáveis, em julho de 2022, a 1ª Vara Cível da Comarca de Itapipoca condenou a unidade de saúde ao pagamento de R$ 100 mil para o casal, sendo R$ 50 mil para cada um, como reparação por danos morais.

Inconformado com a decisão, o São Vicente de Paulo apelou no TJCE (nº 0029464-88.2018.8.06.0101) sustentando que a instituição hospitalar prezou pela segurança da gestante, deixando-a sob observação e fornecendo os meios necessários para salvaguardar mãe e bebê. Argumentou que não houve falha no atendimento e que o óbito se tratou de uma fatalidade, não podendo ser evitada pelas práticas adotadas.

Ao avaliar o caso, a 3ª Câmara de Direito Privado manteve o valor da condenação por danos morais em R$ 100 mil, entretanto aplicou o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já que a violência obstétrica se dá no corpo só da mulher, concedendo R$ 70 mil para a mãe e R$ 30 mil para o pai do bebê.

“A violência obstétrica é fenômeno que se manifesta através de práticas abusivas e desumanizadoras durante o atendimento à saúde reprodutiva das mulheres. Tais práticas desconsideram o direito à dignidade e ao respeito, perpetuando o ciclo de violência que agrava as vulnerabilidades já existentes. A experiência da mulher que enfrenta notícia de morte fetal em gravidez finda praticamente, é marcada por impacto emocional e psicológico que transcende o mero aborrecimento mormente quando ainda é vítima de perfuração de bexiga. Não me convenço de que o hospital comprovou suficientemente assistência à paciente antes, durante, e, muito menos, após o óbito”, pontuou a relatora.

O colegiado é formado pelos desembargadores Raimundo Nonato Silva Santos, Cleide Alves de Aguiar (Presidente), Marcos William Leite de Oliveira, Paulo de Tarso Pires Nogueira e Francisco Lucídio de Queiroz Júnior. Na sessão foram julgados, ao todo, 264 processos.