Por que dizer sim à continuidade do Programa de Adesão à OCDE?
JOTA.Info 2025-02-18
O FMI publicou recentemente a atualização de sua publicação World Economic Outlook. O relatório aponta um crescimento global projetado de 3,3% para 2025 e 2026, abaixo da média histórica (2000-19) de 3,7%. Espera-se que a inflação global diminua para 4,2% em 2025 e 3,5% em 2026, convergindo à meta mais rápido nas economias desenvolvidas do que nas economias em desenvolvimento.
Para o Brasil, o relatório projeta crescimento de 2,2% em 2025 e 2026, mantendo-se abaixo da estimativa de crescimento para os países emergentes de 4,2%-4,3% e abaixo da estimativa de crescimento de 2,5%-2,7% de seus pares da América Latina e Caribe.
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O relatório recomenda, de maneira geral, forte ênfase política no equilíbrio dos compromissos entre a inflação e a atividade real, na reconstituição de reservas e na melhoria das perspectivas de crescimento a médio prazo através de reformas estruturais abrangentes. A agenda das reformas estruturais continua na pauta e nas recomendações como forma de potencializar um crescimento sustentável de longo prazo.
Para o Brasil, diversos relatórios sugerem que a implementação de um conjunto de reformas[1] voltadas à facilitar a competição e transparência, estimular a produtividade, incentivar a alocação eficiente de recursos e promover melhor ambiente de negócios e inovação teria potencial de aumentar em 20% o nível do nosso PIB per capita em 15 anos, com crescimento adicional de 1% do PIB ao ano. Um impacto considerável para que nosso crescimento alcance as estimativas de nossos pares emergentes e promova o desenvolvimento econômico e social.
Nesse sentido, a reavaliação do memorando dos termos da adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) parece ser contraproducente para a implementação da agenda de reformas estruturais necessárias que vêm sendo debatidas.
Vale lembrar que a adesão à OCDE é o resultado esperado de um longo processo que se iniciou em meados da década de 90, tomou força a partir de 2012-2015 com a assinatura do Acordo Marco de Cooperação que institucionalizou a participação brasileira em diferentes comitês, fóruns e grupos de trabalho, base de dados estatísticos, adesão a diversos instrumentos legais, com presença nas revisões por pares (peer review) em setores específicos, culminando com a formalização da candidatura à acessão em 2017.
Em 2022, a OCDE abriu discussões sobre a acessão do país como membro, com envio do roteiro de acessão, que estabelece os termos e as condições para o processo de ingresso do Brasil na organização. Observa-se, portanto, um processo gradual de política de Estado que, como tal, perpassa diferentes governos, ilustrado na figura abaixo.
Evolução temporal Brasil x OCDE
Fonte: Brasil na OCDE
Para se tornar membro da OCDE, o país deverá alinhar suas políticas e instituições aos padrões da organização. Esses padrões são expressos em instrumentos jurídicos (vinculantes e voluntários), conjuntos de princípios políticos e diretrizes que decorrem de valores como liberdade individual, democracia e Estado de direito; e de princípios como mercado aberto, transparência e busca pelo crescimento econômico sustentável e inclusivo (IPEA). Dessa forma, é necessário implementar uma série de reformas estruturais abrangentes e multifacetadas.
Uma importante ferramenta disponível para balizar as reformas necessárias, identificar lacunas regulatórias e formular opções de políticas para superá-las consiste no indicador Regulação do Mercado de Produtos (PMR) da OCDE.
O PMR é um indicador representativo e orientador de reformas estruturais em diversos estudos empíricos de instituições internacionais, como o FMI e o Banco Mundial. É construído a partir de metodologia própria[2] com duas dimensões de barreiras à concorrência na economia: i) as decorrentes do envolvimento do Estado na economia[3], e ii) as decorrentes da regulamentação sobre a entrada e expansão de empresas nacionais e estrangeiras.
Cada dimensão abrange diversas políticas como governança das empresas estatais, compras públicas, controle de preços, complexidade regulatória, regulação por comando ou por incentivos, licenças e burocracia, interação com grupos de interesse e stakeholders, barreiras tarifárias relacionadas ao comércio exterior, ao investimento externo direto e barreiras à competição no setor de redes e serviços.
O indicador foi recentemente atualizado e serve de instrumento para avaliação do distanciamento dos países aos pilares da organização e às melhores práticas internacionais.
A posição atual do Brasil no indicador geral de economia permanece baixa, fora do intervalo de confiança de dois desvios em relação à média da OCDE (linha pontilhada) como ilustra a Figura abaixo. Igualmente baixa na comparação com os emergentes latinos da OCDE (Chile, Costa Rica, México e Colômbia).
Indicador PMR OCDE (2023)
Fonte: Elaboração própria a partir de OCDE (2024). Obs: Na escala do PMR, quanto menor, melhor
A adesão à organização fornece uma espécie de selo de qualidade e possibilita avançar com as reformas estruturais necessárias e desafiadoras, potencializando a agenda positiva em direção ao desenvolvimento. Isso também significa acessar diversas fontes de financiamento, inclusive de investidores institucionais globais da própria OCDE, como fundos de pensão, seguradoras e fundos soberanos, cuja carteira de ativos sob gestão (AUM) já superou a marca de US$ 100 trilhões, ainda restritos, em sua grande parte, aos países membros.
Para o Brasil, tais recursos são fundamentais. É sempre bom lembrar que, apenas no setor de infraestrutura, há uma lacuna considerável de investimentos, que totaliza cerca de 2,27% do PIB por ano (ABDIB 2024). São recursos consideráveis e necessários, mas desafiadores devido ao espaço fiscal cada vez mais restrito das contas públicas.
Nesse sentido, a continuidade do processo de acessão à OCDE mobiliza toda uma agenda estratégica alinhada aos objetivos do Estado brasileiro para o desenvolvimento econômico e social. Vale destacar que o Brasil já aderiu à quase metade das diretrizes e instrumentos legais da OCDE em sua trajetória de acessão. Além disso, como bem coloca Jorge Arbache, esse processo não exclui outras tratativas de acordos comerciais e de integração ao Sul Global/BRI. Trata-se de uma agenda de reformas positiva que merece o nosso sim.
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As opiniões emitidas neste artigo são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo o ponto de vista institucional.
[1] Tributária de consumo e renda, administrativa, abertura econômica, fiscal, orçamentária e regulatória.
[2] A metodologia estabelece um ranking dos países com base em ponderação de diversos dados obtidos a partir de respostas a questionário enviado às autoridades nacionais, que abrange mais de 1.400 perguntas sobre aspectos econômicos e regulatórios específicos setoriais.
[3] Importante ressaltar o entendimento da OCDE, no qual a propriedade pública não é uma questão per se, desde que as regras de governança das empresas estatais envolvidas em atividades comerciais limitem a interferência política indevida e promovam a igualdade de condições entre empresas públicas e privadas.