PSB recorre ao STF contra censura da CGU a professores de universidades federais

JOTA.Info 2021-03-05

O PSB apresentou, nesta sexta-feira (5/3), uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra atos da Controladoria-Geral da União (CGU)  que foram classificados como censura pelo partido. A sigla relata um contexto de “constantes ataques à liberdade acadêmica e à autonomia das universidades e institutos federais” e diz que a prática é “verdadeira mordaça aos docentes de universidades e instituições federais de ensino”.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 800 foi distribuída ao ministro Ricardo Lewandowski. O PSB pede que sejam suspensos, por meio de cautelar, qualquer tipo de apuração ou punição administrativa e judicial contra docentes de universidades e institutos federais com base em posições divergentes das atitudes do governo federal. Do contrário, alega, professores passam a agir pela lógica do medo, o que prejudica inclusive o ensino e divulgação acadêmica.

A CGU decidiu abrir processo administrativo contra professores universitários por terem criticado o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). Os processos foram encerrados com a assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) que impuseram aos professores o compromisso de não proferir quaisquer “manifestações de desapreço” no local de trabalho pelo pelo menos dois anos.

A condução da questão, tanto a decisão pelo processo administrativo com a substituição deles com base na assinatura do TAC, na última quarta-feira (3/3), foi criticada como uso abusivo e distorcido da legislação e como violações da liberdade de expressão e de cátedra. 

“O TAC é um instrumento de natureza consensual, não possuindo, pela sua própria natureza, qualquer caráter punitivo. Nos termos do artigo 7º, §3º, da Instrução Normativa CGU nº 4/2020, o TAC possui acesso restrito até o seu efetivo cumprimento”, afirmou, em nota, a CGU.

Os professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), um deles ex-reitor, viram-se obrigados a firmar o TAC por manifestações que fizeram em transmissão ao vivo em 7 de janeiro pelas redes sociais da instituição na qual teceram críticas à interferência do presidente da República na escolha dos próximos reitores das universidades públicas, bem como às medidas adotadas pelo governo federal para o enfrentamento da pandemia.

O ex-reitor Pedro Curi Hallal, epidemiologista que é coordenador das pesquisas de prevalência do coronavírus no Brasil — a primeira de destaque nacional no país —, e o pró-reitor de Extensão da universidade, Eraldo dos Santos Pinheiro, foram denunciados à CGU pelo deputado Bibo Nunes (PSL).

“Ao retirar dos professores a livre manifestação de ideias e opiniões, bem como ao praticar reiterados atos intimidatórios e persecutórios contra a livre manifestação de professores de universidades públicas, a conduta da Corregedoria-Geral da União representa patente retrocesso em direitos fundamentais, especialmente à liberdade de expressão, à liberdade de cátedra, garantidos pelos arts. 5º, IV, e 206, II e III, da Constituição, bem como ao pluralismo de ideias, que constituem a base da autonomia constitucional conferida às universidades públicas pelo art. 206, III, da CF”, aponta o PSB.

A sigla defende o uso de uma ADPF ao STF porque a eventual judicialização da questão por cada um dos professores geraria insegurança jurídica pela possibilidade de decisões conflitantes como resposta.

Além disso, aponta a violação de princípios constitucionais sensíveis e protegidos reiteradamente pela Corte. Leia a íntegra da inicial.

“A conduta da CGU exemplifica reiterada prática administrativa de intimidação ao ambiente acadêmico que vem sendo adotada pelo órgão ao menos desde o ano de 2020, consequência de uma série de medidas anteriores do Governo Federal, que denotam clara interferência nas Universidades Públicas — em detrimento à autonomia constitucional a elas conferida —, bem como de tolher a liberdade de manifestação de seus docentes e servidores”, diz o partido.

Como exemplo, o PSB cita a Nota Técnica n. 1556/2020, de julho de 2020, que, com base no art. 117, V, da Lei n. 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas federais, alarga o conceito de “recinto da repartição” e recomenda a aplicação de medidas disciplinares contra servidores que formularem em redes sociais manifestações contrárias ao órgão ao qual está subordinado, com fundamento em suposto “dever de lealdade”. 

Já em fevereiro deste ano, o Ministério da Educação (MEC) circulou ofício alertando que manifestações políticas nas instituições públicas de ensino configuram “imoralidade administrativa”, podendo, inclusive, ser objeto de denúncia criminal, cível e administrativa.

O ofício também foi objeto de críticas. Na noite de quinta-feira (4/3), um grupo de 25 subprocuradores-gerais da República pediu que a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão oficie o MEC em razão da recomendação enviada pela pasta em fevereiro à Rede de Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) para pedir providência para “prevenir e punir atos político-partidários nas instituições públicas federais de ensino”.

“Não há dúvidas, portanto, de que a intenção da CGU ao instaurar processos administrativos por supostas infrações decorrentes de manifestações de opinião de docentes de universidades públicas federais é de censurar a liberdade de manifestação, bem como intimidar e punir os docentes que demonstram, no exercício da sua liberdade de expressão e de cátedra, suas percepções sobre o contexto político atual”.

O PSB argumenta que o direito à liberdade de expressão é alicerce do regime democrático e ganha relevância especial no universo acadêmico. Não por outro motivo é que a Constituição garante, diz, a liberdade de ensinar, aprender e divulgar o pensamento, com o respeito ao pluralismo de ideias, sem o qual o regime democrático se esvai. 

A inicial também relembra, como fizeram os subprocuradores no caso do MEC, o julgamento da ADPF 548, em outubro de 2018, quando a Corte suspendeu ações policiais e judiciais que censuraram atos, aulas e manifestações políticas em universidades. A decisão unânime do colegiado recorreu aos princípios da liberdade de expressão e de cátedra, com comparações e referências à ditadura civil-militar brasileira e a outros regimes autoritários, como o próprio nazismo alemão.


O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça: