CPOM: declaração de inconstitucionalidade pelo STF e perspectivas futuras

JOTA.Info 2021-05-04

O CPOM (também chamado de CENE, CEPOM, DANFOM, DANFS-e, DSR, RANFS) é um cadastro que tem sido exigido por prefeituras para que não haja retenção de ISS pela cidade onde o tomador dos serviços se localiza.

É uma prática que foi instituída recentemente por vários municípios para que haja um “pedaço” do ISS retido pelo tomador dos serviços, em favor da cidade onde está localizado (pela alíquota desse município, que pode ser maior que a alíquota aplicável no município onde o prestador dos serviços se localiza).

Para que não haja tal retenção pelo tomador, é necessário o cadastro específico nas diversas prefeituras onde estão localizados os tomadores (onde exista legislação similar ao CPOM de São Paulo – são dezenas de municípios que possuem legislação semelhante).

Em março de 2021, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade do CPOM (Recurso Extraordinário nº 1.167.509), analisando especificamente a legislação de São Paulo[1]. Assim, a Suprema Corte determinou que não se pode exigir o ISS baseado em realização ou não de cadastro no município onde está o tomador (considerando que quem deve pagar o ISS é o prestador dos serviços)[2].

Importante destacar que ainda estão pendentes o julgamento dos Embargos de Declaração interpostos pelo município de São Paulo e pela Associação Brasileira de Finanças das Capitais (ABRASF), o qual possivelmente ocorrerá até o final do mês de Abril, tendo em vista a inclusão do processo no plenário virtual.

Ainda que os contribuintes tenham obtido ótimo precedente e haja uma tendência de que a tese já proposta pelo STF seja definitivamente confirmada (com o trânsito em julgado), dúvidas pairam acerca dos efeitos dessa decisão.

O STF possui uma ampla jurisprudência reconhecendo que a eficácia de suas decisões é deflagrada pronta e imediatamente após a publicação da ata de julgamento[3], bem assim tal entendimento é possível de ser extraído a partir dos arts. 1.035 e 1.040 do Novo Código de Processo Civil.

Entretanto, importante destacar que o município de São Paulo ainda não alterou sua legislação relativa ao CPOM (revogando-a), de modo a reconhecer a inconstitucionalidade julgada pelo Supremo (a decisão, a rigor, já deveria possuir efeitos, como dito).

De fato, o sistema CPOM está funcionando normalmente e gerando cobranças de ISS via retenção para os tomadores de serviços localizados em São Paulo (quando o prestador não possui cadastro no município).

A despeito desse impasse momentâneo, se confirmada e transitada em julgado a decisão do STF no RE nº 1.167.509 (momento em que se tornará definitiva), será aplicável a todos os contribuintes em relação à legislação do município de São Paulo.

Assim, em tese, não haveria a necessidade de proposição de ação judicial individual para que cada contribuinte tenha seu direito reconhecido e que não mais se submeta à retenção do ISS por parte da municipalidade de São Paulo. De toda forma, espera-se um ajuste legislativo em São Paulo para que cessem os efeitos da legislação do CPOM de uma vez por todas.

Não houve debate sobre a modulação de efeitos da decisão do STF sob análise. Não havendo modulação, o ISS retido indevidamente por São Paulo poderia ser, inclusive, recuperado pelos contribuintes, observado o período decadencial de 5 anos. A recuperação do ISS deveria poder ser realizada administrativamente, a rigor. Não obstante, a via judicial estaria disponível em caso de problemas práticos.

Curioso observar que, não obstante tenha o entendimento acima sido veiculado pelo STF em sede de Recurso Extraordinário submetido à sistemática da repercussão geral – em que se aplica a denominada tese da “abstrativização” do julgamento conduzida sob tal rito, em um verdadeiro “legal transplant” da experiência jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal Alemão – essa sistemática não se equipara em sua integralidade aos julgamentos conduzidos pelo STF no chamado controle concentrado de constitucionalidade.

Talvez uma das principais distinções que ainda emerja do cotejo entre as duas “modalidades” de controle de constitucionalidade (concentrado vs. difuso) resida na pronta consequência da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo objeto do controle proposto: ao passo que a lei declarada inconstitucional em sede de “controle concentrado” é considerada imediatamente expurgada do sistema normativo (inclusive, e em via de regra, com eficácia retroativa), a lei que assim o é pela via de “controle difuso” tem sua exclusão do ordenamento condicionada à suspensão de sua execução pelo Senado Federal, nos exatos termos definidos pelo artigo 52, inciso X, da Constituição Federal.

Deste modo, o município de São Paulo poderia se valer da ressalva acima suscitada e manter a exigência do CPOM e ISS via retenção, assim o fazendo sob o argumento de que sua legislação responsável por veicular tais exigências ainda permaneceria válida e vigente no ordenamento, pela ausência de edição, pelo Senado Federal, da resolução a que se refere o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal[4].

Entendemos, contudo, que essa posição é pouco sustentável, haja vista a clareza e a robustez do enunciado firmado pelo STF, de modo que seria prontamente afastada pelo Poder Judiciário, por exemplo, mediante o ajuizamento de um Mandado de Segurança preventivo (isso, é claro, na hipótese de o contribuinte pretender eliminar todo e qualquer risco no que se que refere às exigências até então promovidas pelo Município paulistano).

Ademais, surgem questionamentos especialmente sobre a aplicação do entendimento firmado pelo STF em relação ao CPOM de São Paulo para outros municípios que possuem legislação contemplando exigências similares (Rio de Janeiro, Porto Alegre, Campinas e outras dezenas de municipalidades, como já observado).

Em relação aos demais municípios que exijam o CPOM para que não haja retenção de ISS pelo tomador, a tese do STF, que é geral e trata da incompatibilidade desse tipo de exigência com a Constituição Federal, deveria igualmente ser aplicável.

Entretanto, ainda devemos aguardar os efeitos práticos da decisão, pois, apesar de reconhecer que a exigência de ISS por falta de cadastro em outro município é inconstitucional, a rigor ainda não há um comando expresso para que as demais cidades deixem de exigir o CPOM/ISS (pois, como dito, a legislação analisada pelo STF é a de São Paulo).

É dizer, a decisão do STF não traz consigo o efeito automático de afastar a aplicabilidade de todas as demais leis municipais que veiculem exigências similares à legislação paulistana, ainda que represente um excepcional precedente pelo reconhecimento da incompatibilidade de tais exigências para com a Constituição Federal.

Em termos pragmáticos, será necessário, por parte dos demais municípios, um ato legislativo próprio, com o propósito de revogar os dispositivos relativos ao CPOM, ou, alternativamente, o reconhecimento específico, via decisão judicial, proferida em ação individual proposta pelo contribuinte (ou, eventualmente, ações coletivas propostas pelas entidades habilitadas e legitimadas para tanto) de que a respectiva legislação municipal que exige o cadastro é inconstitucional (seguindo a tese firmada pelo STF no RE 1.167.509).

Em outras palavras, ainda que os contribuintes tenham saído vitoriosos dessa disputa, é possível que tenham de ingressar individualmente em juízo para fazer valer o entendimento do STF em municípios, diversos de São Paulo, que tenham instituído CPOM.

Com o trânsito em julgado, as demais municipalidades, primando pela segurança jurídica, deveriam idealmente modificar suas respectivas legislações, a fim de que não trespassem aos contribuintes a responsabilidade de buscar a efetivação da medida que lhes foi, clara a expressamente, direcionada pela Suprema Corte.

Cenas dos próximos capítulos, em especial no STF, devem ser acompanhadas de perto, para que saibamos o quão complexo e moroso será esse ajuste legislativo nas dezenas de municípios que instituíram o “CPOM”, inclusive sob o aspecto da recuperação do ISS retido indevidamente (utilizando-se de legislação manifestamente inconstitucional).

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[1] Acórdão publicado no DJE em 16.03.2021.

[2] A tese proposta é a seguinte: “É incompatível com a Constituição Federal disposição normativa a prever a obrigatoriedade de cadastro, em órgão da Administração municipal, de prestador de serviços não estabelecido no território do Município e imposição ao tomador da retenção do Imposto Sobre Serviços – ISS quando descumprida a obrigação acessória “.

[3] ARE 1.031.810 – DF: “A eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade ocorre a partir da publicação da ata de seu julgamento“.

Rcl 3.632 – AM: “A decisão de inconstitucionalidade produz efeito vinculante e eficácia erga omnes desde a publicação da ata de julgamento e não da publicação do acórdão. 3. A ata de julgamento publicada impõe autoridade aos pronunciamentos oriundos desta Corte”.

Rcl 872 – SP: “A obrigatoriedade de observância da decisão de liminar, em controle abstrato realizado pelo Supremo Tribunal Federal, impõe-se com a publicação da ata da sessão de julgamento no Diário da Justiça“.

Rcl 3.473 – DF: “…o efeito da decisão proferida pela Corte, que proclama a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, inicia-se com a publicação da ata da sessão de julgamento“.

Rcl 2.576 – SC: “…a decisão, em julgamento de liminar, é válida a partir da data da publicação no Diário da Justiça da ata da sessão de julgamento. O mesmo critério, penso, deve ser aplicado à hipótese de julgamento de mérito, mesmo que impugnado o correspondente acórdão pela via de embargos de declaração”.

ADI 711 – AM: “…a eficácia da medida cautelar tem seu início marcado pela publicação da ata da sessão de julgamento no Diário da Justiça da União…”.

[4] Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal tem o entendimento de que a suspensão conduzida pelo Senado Federal, quanto à execução de lei ou ato normativo declarada inconstitucional pela Corte, no âmbito do controle incidental ou difuso de constitucionalidade, reveste-se da natureza de ato político, voltado a emprestar eficácia “erga omnes” à decisão que é proferida pela Corte em um caso concreto (ainda que revestido de elevado grau de abstração). Por esta razão, é perfeitamente possível que a resolução a que se refere o artigo 52, inciso X, da CF alcance também leis ou atos normativos e estaduais e/ou municipais. (Rcl 4335, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-208 DIVULG 21-10-2014 PUBLIC 22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001)