Caminhando para trás: infraestrutura sem informação

JOTA.Info 2021-05-04

Quinta-feira, 22 de abril de 2021, em meio a tantas datas marcadas pelos tristes números da mais grave crise sanitária do Brasil, esse dia ficará manchado por outro negativo acontecimento histórico: o cancelamento do XIII Recenseamento Geral do Brasil.

Com a sanção pelo presidente da República da Lei Orçamentária 2021, foi confirmado o corte no orçamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), inviabilizando as atividades necessárias para condução do mais importante estudo sobre o Brasil e seu povo.

O primeiro Recenseamento Geral do Brasil foi realizado em 1872. Desde então foram 12 censos, dos quais 8 conduzidos pelo IBGE, que assumiu a função em 1936, momento em que o censo passou a ser realizado a cada 10 anos.

Em 2020, quando o Censo foi postergado com a justificativa da pandemia, já existiam sinais sobre cortes nos custos do IBGE, mas ainda havia esperança que a pesquisa seria conduzida em 2021. Com a confirmação do cancelamento do Censo devido à falta de dotação orçamentária, é a primeira vez que sequer há previsão para que a pesquisa seja realizada.[1]

A pergunta básica do Censo é: quem é e como o vive o brasileiro? Para obter as respostas, o IBGE levanta dados sobe a condição de vida da população, como ela se distribui no território nacional, sua escolaridade, empregabilidade e renda, além de tantos outros. Com essas informações, o IBGE compila a maior série histórica de estatísticas sobre o desenvolvimento do Brasil nos últimos 150 anos.

Com os dados em mãos é possível, dentre outras coisas, garantir a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas informadas por evidências. A base de estatísticas dos censos apresenta aos gestores públicos uma fotografia da realidade da população e os seus desafios diários, o que permite que trabalhem em políticas públicas perenes e que sejam aderentes ao contexto do país e seu povo, evitando erros passados. Isso não é diferente em setores de infraestrutura.

Um dos sensos comuns que nos assombra é o de que a falta de investimentos em infraestrutura é um dos principais gargalos para o crescimento do Brasil. Estudo recente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) aponta que nos próximos 10 anos será necessário investir R$ 284,4 bilhões ao ano (4,3% do PIB) para suprir as profundas carências na infraestrutura brasileira.

Atualmente são investidos apenas 1,71% do PIB[2]. Esse é o famoso “gap da infraestrutura”, que se não for atacado se tornará cada vez mais grave e de mais difícil reversão.

O Censo tem papel fundamental em pelo menos três frentes nessa missão: (i) planejamento setorial; (ii) estruturação de bons projetos; e (iii) garantia de boa execução dos contratos atualmente em vigor.

O primeiro passo para enfrentar esse problema estrutural é realizar um diagnóstico completo que permita conhecer a situação real de cada setor, seu histórico, carências e impacto geral para o país.

Com esse mapeamento é possível entender os problemas que precisam ser enfrentados, quais são as prioridades e as relações entre os diferentes setores. A partir disso definem-se os objetivos e um plano para alcançá-los.

O Censo Demográfico oferece informações preciosas para esse trabalho. Como estruturar políticas de transporte urbano sem conhecer a demografia das metrópoles? Como definir planos logísticos sem entender como a população está distribuída no território? Todas essas questões podem ser respondidas com informações coletadas pelo IBGE.

Para o planejamento do saneamento básico, por exemplo, o Censo Demográfico é um instrumento fundamental. O Sistema Nacional de Informações de Saneamento, que apresenta o diagnóstico completo do setor, utiliza as informações do IBGE para determinar a abrangência de acesso dos serviços públicos, o crescimento da população urbana e rural que deverão ser atendidas, entre outras estatísticas.

Nessa linha seguem também os planos de saneamento básico, instrumento de planejamento previsto no Marco Legal do Saneamento Básico que norteiam as concessões no setor.

Com um planejamento em mãos passa-se para a segunda frente, a estruturação de bons projetos que sejam capazes de atrair investimentos e atender aos objetivos definidos.

Um dos pilares das modelagens são os dados e estatísticas utilizadas no processo. Quanto melhor forem as informações, mais apurados serão os estudos econômico-financeiro e operacionais que ancoram o projeto, bem como a alocação de riscos contratual.

Em projetos de longo prazo essas são características importantes para garantir previsibilidade e segurança jurídica, o que é fundamental para a atratividade do projeto, além do seu sucesso no longo prazo.

Nessa situação o Censo Demográfico, com sua longa série histórica e abrangente base de dados sobre a população e a produção econômica no Brasil, aparece mais uma vez como um importante aliado.

Ainda que a contratação de estudos específicos seja usual para a estruturação de projetos, as consultorias utilizam os dados do IBGE como base para muitas das suas análises. Estudos de demanda, por exemplo, aproveitam as curvas de crescimentos populacional aferidas no Censo.

Uma vez contratados passa-se ao desafio da execução dos projetos, que estão sujeitos a alterações por fatores novos que não eram possíveis de serem previstos no momento da licitação, o que é da natureza dos contratos de longo prazo.

Nesse momento o repositório de dados do IBGE deve ser utilizado por concessionárias, poderes concedentes e agências reguladoras para auxiliar em processos de reequilíbrio econômico-financeiro que demandem revisões das premissas dos projetos, na mesma linha do que é feito no momento da sua estruturação.

O Censo também é importante na prática regulatória, auxiliando agências a entenderem e mensurarem os impactos da regulação na sociedade e na prestação dos serviços. Nesse sentido, uma dimensão importante da regulação que se beneficia dessas informações é a modicidade tarifaria, pilar fundamental dos serviços públicos.

A busca pelo equilíbrio entre a capacidade de pagamento dos usuários e a remuneração garantida à concessionária depende da compreensão da condição econômica dessa população, o que pode ser obtido a partir das informações do Censo.

As situações apresentadas demonstram a importância do Censo para os setores de infraestrutura. Não se quer dizer, no entanto, que o Censo é a solução que resolverá o “gap da infraestrutura”. Nos últimos anos, mesmo com a realização dos censos, testemunhamos diversos erros e problemas que contribuíram para nos levar à situação atual.

Ainda assim, os problemas do passado não justificam ignorar a importância do Censo, anuir com o seu desmonte e colocar em risco uma fonte de informações que concedia segurança aos planejamentos, estudos de estruturação e gestão de contratos. Ao invés de avançarmos para reduzir a falta de investimentos, estamos retrocedendo em algo já amplamente consolidado.

A essa altura da pandemia já deveríamos ter aprendido que doenças graves são combatidas com informações verdadeiras e confiáveis e não com falsos remédios. A mesma lição se estende para o trabalho hercúleo que precisaremos fazer para recuperar a infraestrutura brasileira.

Não podemos esperar a concretização das consequências danosas que o cancelamento do Censo trará para o setor, para então percebermos o tamanho do erro cometido. É preciso consciência do setor para lutar pelo Censo e evitar o estrago potencial que se avizinha.

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[1] Em 28 de abril de 2021, o ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, em ação ajuizada pelo estado do Maranhão, determinou que o Governo Federal adote as medidas necessárias para garantir a realização do Censo. Apesar da decisão, ainda não há segurança para afirmar que o Censo será realizado em 2021. Essa decisão e seus efeitos não são objeto de análise do presente texto.

[2] Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base – ABDIB. Livro Azul da Infraestrutura: uma radiografia dos projetos de infraestrutura no Brasil. Disponível em: <https://www.abdib.org.br/livro-azul-da-infraestrutura/>. Último acesso em: 28 de abril de 2021.