STF tem três votos para derrubar trecho da LPI que permite extensão de patentes

JOTA.Info 2021-05-05

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu continuidade, nesta quarta-feira (5/5), ao julgamento da ação contra trecho da Lei de Propriedade Industrial (LPI) que prevê extensão do prazo de patentes em caso de demora na análise pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O julgamento continua nesta quinta-feira (6/5).

A regra em vigor prevê que as patentes de invenção devem durar 20 anos contados a partir da data de depósito no INPI, ou dez anos após a data de concessão, como forma de compensação caso haja demora de mais de uma década na análise. Na prática, se houver atraso do instituto para examinar o pedido, a demora é compensada com mais anos de monopólio.

Na sessão desta quarta-feira, o ministro relator, Dias Toffoli, concluiu seu voto, iniciado na semana passada, pela inconstitucionalidade da norma. Ele já foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

O plenário julga a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). É questionado o parágrafo único do artigo 40 da LPI, a Lei 9.279/1996. O caput do artigo 40 prevê que a patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 anos, contados a partir da data de depósito do pedido. Mas o parágrafo único traz uma ressalva, que fixa que o prazo de vigência não será inferior a 10 anos para a patente de invenção, a contar da data de concessão.

É esta ressalva que está sendo questionada. Na visão da PGR, o dispositivo permite uma extensão de prazo de patentes, que poderiam vigorar por até 30 anos. A ação opõe setores farmacêuticos de genéricos e de medicamentos patenteados, mas o julgamento afetará todas as empresas, universidades e institutos que atuam com patentes.  Estima-se que há cerca de 35 mil patentes em vigor com base no parágrafo único do artigo 40 da LPI.

Um exemplo de como este prazo funciona: um pedido de patente de inovação foi depositado em 1 de janeiro de 2008. Mas o INPI só concedeu o pedido em 1 de janeiro de 2020, ou seja, 12 anos depois. Se considerado apenas o caput do artigo 40, esta patente deveria vigorar até 2028, ou seja, 20 anos contados da data do pedido. Entretanto, o parágrafo único fixa que nenhuma patente de invenção poderá vigorar por menos de dez anos a partir da data de concessão. Assim, pela lei atual, essa patente vigorará até 2030, já que só foi concedida em 2020.

O relator concluiu seu voto nesta quarta, pela procedência da ação. Apesar de ter ressaltado que seu entendimento é direcionado indistintamente a toda a indústria, Toffoli focou sua análise, de forma detalhada, na questão dos medicamentos e no impacto da prorrogação do prazo de patentes para o Sistema Único de Saúde, “considerando a relevância da matéria para a concretização do direito fundamental à vida e à saúde e os efeitos negativos da norma impugnada para as políticas públicas pertinentes”. 

Toffoli citou um estudo do Grupo Direito e Pobreza, da USP, que mostrou que entre as dez patentes com maior período de vigência efetiva (período que vai do depósito até o decurso da patente), nove são do setor farmacêutico. O ministro ainda fez referência a informações do INPI, que fez uma projeção de todas as patentes nas quais incidirão o parágrafo único do artigo 40 em 2021, ou seja, que terão o prazo de dez anos a partir da concessão. O levantamento mostrou que 84% das patentes da divisão de Fármacos I, e 86% da divisão de Fármacos II que serão decididos neste ano incidirão na extensão de prazo. 

O ministro também citou o acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) do ano passado, que mostrou que, por causa do parágrafo único do artigo 40 da LPI, as patentes de produtos farmacêuticos duram em média 23 anos, podendo chegar a um prazo de vigência de 29 anos ou mais. “Os prejuízos financeiros decorrentes de períodos tão longos de monopólio foram estimados pela auditoria em cerca de R$ 1 bilhão. Por óbvio, esse contexto se torna ainda mais gravoso e dotado de urgência por estarmos em plena emergência internacional de saúde”, afirmou o ministro.

Na parte dispositiva de seu voto, além de dar procedência à ADI para declarar inconstitucional o parágrafo único do artigo 40 da LPI, Toffoli determina diversas medidas ao INPI, à Anvisa e ao Ministério da Saúde.

  1. Ao INPI, no prazo de um ano: (i) proceda à contratação de servidores com o fito de compor quadro de pessoal adequado à grande demanda do órgão;

    (ii) priorize as medidas de recuperação/restauração de documentos, no intuito de dar encaminhamento aos pedidos de patentes que, em razão de ilegibilidade documental, estão retidos ainda na fase de exame formal preliminar;

    (iii) priorize o desenvolvimento e a implantação de soluções tecnológicas que lhe permitam controlar o fluxo de pedidos de patentes, assim como automatizar e otimizar processos;

    (iv) priorize a normatização dos procedimentos técnicos de exame de patentes, no intuito de otimizar tais procedimentos e evitar que assuntos iguais sejam tratados de forma desigual por examinadores distintos;

    (v) continue a reunir esforços de modo a efetivamente cumprir as metas do Plano de Combate ao Backlog de Patentes, estabelecido pela instituição em 2019;

    (vi) conforme determinação do Tribunal de Contas da União, “(…) passe a publicar, em seu portal eletrônico disponível na internet, as filas de pedidos de patentes pendentes de decisão final administrativa com as informações de cada pedido, o estado em que se encontra e a existência ou não de prioridade de exame”

    (vii) conforme determinação do TCU, “(…) passe a publicar, em separado, as informações de estoque e de tempo médio de tramitação dos pedidos de patente em fase de segunda instância administrativa”

  2. À Anvisa: que publique os critérios de análise a serem seguidos por seus analistas no âmbito da anuência prévia prevista no art. 229-C da Lei 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), com vistas a atender à obrigação de tornar transparente essas informações à sociedade.
  3. À Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, conforme recomendação do TCU, que “estabeleça rotinas prospectivas de identificação de pedidos de patentes que contenham tecnologias relevantes para o atendimento à população, por meio das políticas públicas de acesso a medicamentos”.

O relator propôs modulação dos efeitos, para que sejam preservadas as patentes com o prazo de extensão já vigentes. Entretanto, propõe que não sejam modulados os efeitos para patentes farmacêuticas e de equipamentos de uso em saúde – nestes casos, pelo voto do ministro, estas patentes que estão vigentes em razão do parágrafo único do artigo 40 passariam a ser de domínio público.

O ministro Nunes Marques disse que a própria LPI prevê proteções para depositantes de patentes, o que já inibe eventuais cópias. Marques afirmou que, teoricamente, patente só existe e dela só se é titular a partir da concessão do respectivo pedido.

“Todavia, o principal objetivo do inventor já se faz alcançado desde o momento em que seu pedido é publicado pelo INPI, até mesmo na hipótese em que o pedido não resulte da efetiva concessão. É que a partir deste marco passa a ocorrer em favor do depositante uma factual exclusividade na exploração econômica do produto ou processo produtivo, pois eventuais copistas já se sentem constrangidos a não se aproveitarem da invenção depositada”, destacou.

O ministro Alexandre de Moraes deu o terceiro voto acompanhando o relator, e afirmou que o parágrafo único do artigo 40 da LPI dá um prazo indefinido às patentes, prejudicando a concorrência e ferindo a Constituição. “Segurança jurídica, impessoalidade, eficiência, razoável duração do procedimento administrativo estão sendo ignorados, de forma direta”, disse. “Essa possibilidade de prorrogação ad infinitum acaba derrubando os prazos razoáveis, os prazos padrões que encontram paralelo no cenário internacional.”

Marques e Moraes não se pronunciaram ainda sobre a modulação, o que deve ser debatido ao final do julgamento, caso haja declaração de inconstitucionalidade. São necessários no mínimo seis votos para declarar a norma inconstitucional, e oito votos para modular os efeitos.