Quem quer dinheiro?

JOTA.Info 2021-05-15

Quando se pensa em instituição financeira, a primeira coisa que vem à mente de qualquer pessoa é o banco comercial tradicional, com suas agências, filas intermináveis, caixas eletrônicos, empréstimos etc. Tais instituições, devido ao risco sistêmico, são altamente reguladas, o que garante a manutenção da estabilidade e solidez do Sistema Financeiro Nacional (SFN).

O Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil permitem a essas instituições a prerrogativa de oferecer crédito com recursos de terceiros ao mercado, ou seja, oferecer a “mercadoria dinheiro”.[1] A legislação basicamente protege dois pilares: (i) a economia popular e (ii) a segurança do sistema financeiro.[2]

Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira afirmam que a instituição financeira é caracterizada pela mediação no crédito, ou interposição, com a pluralidade ou a multiplicidade de atos interponentes, pela captação, intermediação, aplicação e custódia de recursos financeiros em moeda. E completam:

“O lucro das atividades de intermediação – que é o fim do banco – não tem origem em juros ganhos na aplicação de capital próprio, mas é a diferença entre: (a) as receitas que aufere na aplicação de recursos de terceiros; e (b) os custos que suporta para captar e aplicar esses recursos”.[3]

A alta carga regulatória garante a supervisão e a liquidez dessas instituições, mas também possibilita a remuneração dessa atividade com base em juros que ultrapassem os limites estipulados na Lei da Usura (Decreto nº 22.626 de 1933).

Desrespeitar as limitações impostas pelo órgão regulamentador pode, inclusive, caracterizar algumas condutas danosas ao Sistema Financeiro Nacional, tendo sido tipificado o comportamento de operação de instituição financeira sem a devida autorização (art. 16 da Lei 7.492/86), com pena de reclusão de um a quatro anos e multa.

Conforme leciona Leonardo Henrique Mundim Moraes Oliveira, cuja experiência como procurador da área administrativa e criminal do Banco Central do Brasil refina a explicação, a Instituição Financeira consiste na aferição da presença concomitante dos seguintes requisitos: “coleta, intermediação e aplicação de recursos, fim lucrativo, habitualidade mínima e caráter público da oferta de recursos”, deixando claro que “somente em se podendo comprovar a presença de todos os pressupostos supracitados, poder-se-ia instaurar procedimento administrativo e processo criminal contra o agente financeiro desautorizado”.[4]

Nesse sentido, o mútuo, regulado pelos artigos 586 a 592 do Código Civil, não se enquadra como atividade privativa de instituição financeira, apesar de, a rigor, poder se caracterizar como uma operação de crédito.

Assim, outras figuras jurídicas foram ganhando espaço no ordenamento, como as factorings e as securitizadoras de créditos. Tais atividades não dependem de autorização do Banco Central, no entanto, para nenhuma delas é possível negociar a “mercadoria dinheiro”, estando dependentes da comercialização de recebíveis.

Em outras palavras, a empresa que precisa do dinheiro pode apenas antecipar o crédito que tem a receber junto a essas instituições pelos serviços já prestados e/ou bens já vendidos, e quanto maior o prazo de pagamento, maior a antecipação e a remuneração.

Assim, o objeto de compra e venda é o direito creditório e não o dinheiro em si, pois se entende que essa operação traz menor risco ao sistema, diferente da comercialização da moeda, que, conforme visto, é atividade privativa das instituições financeiras.

No entanto, regulamentações extensas, embora muitas vezes necessárias, trazem consigo dificuldades ao mercado e fecham as portas à inovação e aos novos atores, nesse caso, às chamadas fintechs, que buscam na tecnologia a agilidade e a simplicidade para sua vantagem competitiva. Atentos a isso, o Conselho Monetário Nacional iniciou, em 2018, o fomento da competitividade no SFN a partir do marco instituído pela edição da Lei 12.865/13, que abriu o mercado para as fintechs.

Em seguida, por meio da edição da Resolução CMN nº 4.656, foram instituídas a Sociedade de Crédito Direto (SCD) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), cuja diferença mais evidente diz respeito à origem dos recursos financeiros, pois enquanto a SCD opera com recursos próprios, a SEP usa recursos de terceiros.

A SEP realiza operações de crédito entre pessoas, isto é, aproxima potenciais credores de potenciais tomadores em uma clássica operação de intermediação financeira. É quase um “uber” financeiro, mas no lugar de passageiros e motoristas, aproximam-se os tomadores (devedores) dos fornecedores de crédito. Nesse caso, a fintech atua com recursos de terceiros que apenas usam a infraestrutura tecnológica da SEP para conectar credor ao tomador.

Nesse modelo, para garantir um grau de segurança desejável, um limite imposto é que a exposição por credor para um mesmo devedor, e em uma mesma SEP, é limitada a 15 mil reais (art. 16 da Resolução CMN 4.656/18).

Assim como a SEP, a SCD também realiza operações de crédito, mas diretamente, por meio de plataforma eletrônica, não existindo uma limitação de valor pré-definida. Nesse caso, a fintech só pode atuar com recursos próprios, ou seja, não pode captar junto ao público,[5] outro mecanismo criado para garantir um grau mínimo de segurança.

Mas o que ainda é muito pouco difundido é que tanto a SCD, quanto a SEP, são espécies do gênero “instituição financeira”, conforme determinam os arts. 3º e 7º da Resolução CMN nº 4.656/18.

Assim, ambas as figuras jurídicas são, expressamente, instituições que não estão sujeitas à Lei da Usura, mas sim à intervenção prevista no Decreto-Lei 2.321/87, e têm permissão para comercializar o que chamamos de “mercadoria dinheiro”, possibilitando o fomento do mercado de crédito no país.

Um dos grandes diferenciais dessas instituições financeiras são os ambientes totalmente virtuais, pois não possuem agências e tudo costuma ser resolvido por e-mail, telefone ou mesmo via sistemas ou aplicativos para celulares próprios.

Isso não apenas reduz custos, tornando o crédito mais barato, como possibilita que novas ideias adentrem o setor, trazendo vantagem aos consumidores e, consequentemente, fomento comercial com a maior circulação de capital.

Não obstante contarem com diversas facilidades, ambos os tipos de instituição financeira ainda precisam de autorização do Banco Central para funcionamento (art. 28 da Resolução CMN 4.656/18 c/c art. 18 da Lei 4.595/64), estando sujeitas ao que dispõe o artigo 16 da Lei 7.492/86, constituindo crime o seu funcionamento sem autorização.

Além disso, devem observar permanentemente o limite mínimo de um milhão de reais em relação ao seu capital social integralizado e ao seu patrimônio líquido (art. 26 da Resolução CMN 4.656/18), mais uma medida que visa proteger a higidez do sistema financeiro.

Por outro lado, o processo de autorização e a gama de responsabilidades dessas duas figuras jurídicas são diferentes daqueles previstos para os bancos comerciais, com menor complexidade e caracterizada pela inovação, convergindo para a democratização do acesso ao crédito.[6]

Assim sendo, possuindo a SCD e a SEP a natureza jurídica de instituição financeira e, portanto, herdando as prerrogativas decorrentes dessas – porém, com uma carga regulamentar inferior –, parece-nos claro que o Brasil só tem a ganhar com a efetiva implementação dessas instituições, uma vez que a entrada de novos atores no mercado representa, em tese, opções mais vantajosas ao consumidor final, além de fomentar o mercado de crédito e a atividade econômica do país em um momento de necessária retomada.

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[1] Vamos chamar assim para fins didáticos, tentando simplificar o que é essa atividade financeira, ainda que o termo não seja o mais técnico.

[2] NETO, Eduardo Salomão. Direito Bancário. São Paulo: Atlas, 2007, p. 12-20.

[3] FILHO, Alfredo Lamy; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 479.

[4] OLIVEIRA, Leonardo Henrique Mundim Moraes. As Instituições Financeiras no Direito Pátrio: definição e caracterização de atividade própria ou exclusiva. Revista do TCU. 2015, p. 72. Disponível em: <https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/1181/1236>. Acesso em: 25 de março de 2021.

[5] Ver artigo no endereço eletrônico do Banco Central do Brasil, disponível em <https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/fintechs>. Acesso em: 24 de março de 2021.

[6] VERÍSSIMO, Levi Borges de Oliveira. Regulação Econômica de Fintechsde Crédito: perspectivas e desafios para abordagem regulatória. Revista da PBGC. v. 13. n. 1. Brasília, jun. 2019, p. 53.