O procurador-geral da República e a lista tríplice

JOTA.Info 2021-06-18

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) realizará a consulta para lista tríplice destinada à escolha do(a) Procurador(a)-Geral da República.

A lista tríplice tem forte simbologia política, principalmente para o Ministério Público, que tem função de garante do regime democrático. Daí a importância na sua motivação e na sua implementação, sublinhando a ideia de que a democracia constitui pressuposto básico ao regular funcionamento do Estado de Direito.

Relembro que, no primeiro semestre de 2019, ainda havia uma ligeira expectativa de que a lista, por já ser, desde 2003, um costume constitucional, pudesse vir a ser acolhida pelo Presidente República. A linha de Chronos revelou o contrário…

De lá para cá, verificaram-se tentativas de abalar a credibilidade da lista tríplice, acoimando-a de “corporativa” (como se a sistemática de lista já não existisse nos demais ramos do MP brasileiro). De outro lado, o horizonte constitucional também ficou nebuloso. É fundamental, portanto, colher esta oportunidade para reafirmar o significado desse processo – plural, democrático e participativo –, realçando as virtudes da legitimação e de transparência nele presentes.

Defender a democracia, bem como os mecanismos indutores de sua legitimação, é um imperativo – e não mera opção – na atual quadra da história. E, embora não haja sinais de que a lista tríplice venha a ser considerada pelo Presidente da República, tem-se, por essa mesma razão, a inadiável necessidade de afirmar a importância de um canal aberto e democrático na escolha do(a) Procurador(a)-Geral da República. Um vetor de diálogo em busca de aprimoramento do modelo de preenchimento desse cargo, cujo papel interessa à sociedade brasileira.

Não se pretende negar a competência do Chefe do Poder Executivo para indicar o nome a ser sabatinado pelo Senado. Isso está previsto na Constituição, todos sabemos. Trata-se, sim, de estimular o processo de legitimação na etapa anterior, numa abordagem dialógica, oxigenando a indicação a partir também da participação dos integrantes da Instituição.

O Procurador-Geral da República é Órgão de Estado, e não de Governo. Conduz o Ministério Público Federal, Instituição dotada de independência funcional, essencial ao regular funcionamento do Estado Democrático de Direito. Preside o Conselho Nacional do Ministério Público – Órgão relevante no campo do planejamento, controle e correção de eventuais de irregularidades –, mas também de promoção e garantia da autonomia administrativa do Ministério Público. Presenta o Ministério Público perante o STF, cabendo-lhe ali exercer seu amplo leque de atribuições, com o protagonismo necessário e adequado ao que prescreve a Constituição.

Cuida-se, ainda, de definir um mandato cujo exercício impõe a fiscalização dos atos da Administração, em todos os seus níveis e sem distinções, com zelo, responsabilidade, firmeza e serenidade. Assim manda a Constituição.

Por isso, é fundamental sedimentar mecanismos garantidores da independência constitucionalmente assegurada, para que o desempenho das funções de PGR seja sempre pautado pelo compromisso único de defender a ordem jurídica (inclusiva e isonômica), o regime democrático (substantivo) e os interesses sociais e individuais (indisponíveis).

O processo de escolha exige diálogo amplo com diferentes setores do Estado e da sociedade civil, sendo, nesse aspecto, oportuno acentuar o papel do Senado Federal, competente que é para sabatinar o nome indicado. Quanto mais arejada for a escolha do PGR, tanto melhor para o Estado e para a sociedade, pois filtros democráticos robustecem a jornada funcional.

Muito há de ser repensado na modelagem em vigor. Ajustes constitucionais são bem-vindos. Além de a lista tríplice ser um bom ponto de partida, a impossibilidade de recondução e, também, de condução a cargo diverso, durante ou após o mandato de PGR (quarentena), faria bem ao exercício das funções. Em relação à recondução, se, por um lado, um mandato de dois anos é curto para o desenrolar de múltiplas tarefas que se apresentam, há, por outro, a percepção de que o complexo mecanismo de escolha e o espinhoso exercício das funções de Procurador-Geral da República não deveriam permitir a renovação de mandatos.

A proibição de condução a cargo público diverso, durante ou após o mandato de PGR, com um período de quarentena, é outra medida necessária. O papel constitucional reservado ao PGR justifica por si essa limitação, não se compatibilizando com arquétipos que façam as vezes de trapézios ou trampolins na vida pública. Enfim, parece ser oportuno um desenho institucional que considere essas questões. Fica o convite à reflexão.

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