TST faz zigue-zague jurisprudencial e vulnera segurança jurídica, diz Gilmar Mendes

JOTA.Info 2021-08-02

O ministro Gilmar Mendes afirmou, nesta segunda-feira (2/8), que “o Tribunal Superior do Trabalho (TST) realiza verdadeiro zigue-zague jurisprudencial, ora entendendo ser possível a ultratividade, ora a negando, de forma a igualmente vulnerar o princípio da segurança jurídica”. A frase foi dita durante a leitura do voto na ADPF 323 em que ele declarou inconstitucional a súmula 277 do TST e as decisões judiciais que autorizaram a aplicação do princípio da ultratividade.

A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) e discute a ultratividade de normas coletivas, isto é, situação em que cláusulas de acordos e convenções coletivos, com validade já expirada, são incorporadas aos contratos individuais de trabalho, até que outra norma coletiva sobrevenha.

A súmula 277 do TST diz que “as cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”. Assim, com essa interpretação, a Confenen defende que o TST está usando a ultratividade – quando, mesmo após o fim da vigência, os acordos coletivos continuam a produzir efeitos.

Com a reforma trabalhista, a ultratividade passou a ser vedada, e ficou proibida a estipulação de duração dos acordos coletivos em um período superior a dois anos. Mesmo assim, a súmula continua válida. A Confenen defende que o princípio da ultratividade foi vedado no Brasil antes mesmo da reforma trabalhista porque a lei sobre o assunto foi revogada em 2001, pela Lei 10.192/2001.

Segundo especialistas consultados pelo JOTA, o julgamento interessa ao setor produtivo porque, mesmo após a reforma trabalhista, a súmula continuou vigente, de modo que as empresas assinam acordo com os trabalhadores prevendo validade de dois anos, mas, no fim, ele pode durar mais do que o prazo estabelecido, até que uma nova negociação coletiva seja realizada.

O entendimento do TST fundamenta-se em reintrodução do princípio da ultratividade da norma coletiva no sistema jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional 45/2004, quando foi inserida a palavra “anteriormente” no art. 114, § 2º, da Constituição Federal.

Voto

Em seu voto, entre outros argumentos, Gilmar defendeu que a súmula do TST ignora o princípio da legalidade, uma vez que há leis no Brasil vedando a ultratividade.

“Nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho, acordos e convenções coletivas devem conter obrigatoriamente o seu prazo de vigência (art. 613, II, CLT), que não poderá ter duração superior a dois anos. Para tornar a limitação ainda mais explícita, a Reforma Trabalhista manifestamente dispôs que, além de não ser permitida a duração superior a dois anos, é vedada a ultratividade (art. 613, II, § 3º, CLT)”, afirmou o ministro durante a leitura do voto.

“Entretanto, mesmo antes dessa cristalina proibição, pela simples limitação temporal existente, já era claro que a duração de acordos e convenções coletivas não poderia exceder o prazo legalmente estabelecido. Trata-se de regra que deveria ser observada e da qual as partes tinham ciência”, afirmou o ministro durante a leitura do voto”, complementou.

O julgamento foi interrompido pelo ministro presidente, Luiz Fux, antes de os demais ministros votarem e deve ser retomado na próxima quarta-feira (4/8).

Desde 2014

A ADPF 323 da Confenen entrou no STF há pouco mais de sete anos, em 2014. Em 2016, o relator Gilmar Mendes concedeu uma liminar suspendendo os processos e os efeitos de decisões – no âmbito da Justiça do Trabalho – sobre a aplicação da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas.

O julgamento foi retomado no dia 17 de junho deste ano, com as sustentações orais das partes envolvidas.