Quanto custa o Poder Judiciário?

JOTA.Info 2024-03-28

O título desta coluna é uma pergunta que não tem, e dificilmente terá, uma resposta. Mensurar o custo do Poder Judiciário depende inicialmente de saber o que faz o Poder Judiciário. E nesse caso já nos deparamos com uma dupla função, pois o Judiciário exerce um dos poderes que dão sustentação e estrutura ao Estado democrático de Direito, e também presta um serviço público essencial, que é o de promover Justiça.

Em ambas, vê-se a dificuldade em tornar precisas suas muitas atribuições, e por consequência definir quais as exatas atividades que lhe caberá exercer para cumprir sua missão constitucional. Basta constatar que “Justiça” é uma palavra cujo conteúdo exato se busca até hoje, e o que se encontra são múltiplas teses e definições, estando longe de se ter um consenso a respeito – se é que algum dia teremos. Não sendo possível sequer identificar com precisão o que faz o Poder Judiciário, é evidentemente impossível mensurar e dar valor, especialmente financeiro, às suas atribuições.

A questão veio à tona com a divulgação de relatório do Tesouro Nacional informando que o “custo” do sistema de Justiça brasileiro foi de R$ 116 bilhões em 2022, o que corresponde a 1,6% do PIB. O valor, segundo o relatório, inclui o Poder Judiciário, com os tribunais federais e estaduais, bem como demais carreiras e órgãos que compõem o que podemos denominar de “Sistema de Justiça”, como Ministério Público, Defensoria Pública e Procuradorias.

O que por si só já evidencia uma imprecisão e as dificuldades de mensuração, pois não é simples determinar e identificar quais são todos os órgãos e recursos materiais e humanos que compõem o sistema de Justiça brasileiro. Mas o valor é útil para que se possa concluir serem necessários muitos recursos públicos para ter e manter um bom sistema que permita promover e manter a Justiça em funcionamento no Estado Democrático de Direito.

A valoração financeira dos serviços relacionados à promoção da Justiça é relevante sob inúmeros aspectos. Um deles refere-se ao fato de que boa parte dos órgãos destinados a cumprir essa missão são constitucionalmente dotados de autonomia administrativa e financeira, como é o caso do Poder Judiciário (art. 99), Ministério Público (art. 127, § 2º) e Defensoria Pública (art. 134, § 2º). E a autonomia financeira depende de uma compatibilidade entre as despesas necessárias para a realização das respectivas funções com os recursos que lhe são destinados, sem necessidade de submissão a outros poderes para consegui-los. Motivos que justificam a necessidade de definir quais são e quanto custam essas atividades, para compatibilizar com as receitas que lhe deverão ser asseguradas.

Ao abordar o tema, já foi identificada a dificuldade tanto de estabelecer qual o resultado pretendido pela função de promover Justiça, o que impacta na fixação de metas que viabilizem o cálculo das despesas necessárias para se atingir o resultado pretendido, e a respectiva inclusão do referido valor no orçamento (CONTI, José Mauricio. A autonomia financeira do Poder Judiciário, 2019[1]), para então se assegurar a garantia do recebimento dos referidos valores com independência, possibilitando ainda a transparência e o controle.

Isso torna a decisão sobre a alocação de recursos para o Poder Judiciário, e consequentemente para todo o sistema de Justiça, uma decisão essencialmente política, cabendo à sociedade decidir o quanto pretende alocar e para que se pretende destinar recursos a essa finalidade. A análise da estrutura orçamentária do Poder Judiciário na referida obra evidencia a complexidade na construção dos programas e ações orçamentárias que envolvem o Poder Judiciário, o que se estende para os demais órgãos e instituições que se inerem no contexto do sistema de Justiça.

Acrescente-se que a promoção de Justiça, além de integrar o dificilmente mensurável fato de ser um sustentáculo do Estado Democrático de Direito, por seus poderes e órgãos independentes, são serviços cuja natureza é essencialmente de “bens públicos”. Não se ajustam às regras de mercado, que apresenta falhas ao fornecê-los, o que os leva a serem necessariamente prestados sob a forma de serviços públicos, com dificuldades muito maiores de serem valorados com precisão.

O relatório da Secretaria de Orçamento Federal[2] cuja divulgação trouxe o assunto à mídia, ao mostrar as despesas do orçamento federal por função do Governo Geral, calculou que os gastos com a função “Ordem pública e segurança” foi da ordem de 3% do PIB em 2021, que supera a média dos países analisados no referido estudo, em torno de 1,9% do PIB. Essa função é ampla, abrange também os serviços de segurança pública e administração penitenciária, sendo a subfunção “Tribunais de Justiça” responsável por 1,6% do PIB, a mais elevada dos 53 países considerados na pesquisa. E a própria subfunção “Tribunais de Justiça” não inclui apenas os tribunais de justiça, que são órgãos próprios do Poder Judiciário, incluindo também os demais colaboradores e partícipes do que já nos referimos como “Sistema de Justiça”, caso do Ministério Público e Defensoria Pública.

De qualquer forma, não obstante as ressalvas e cuidados ao analisar os dados, é inegável que se pode concluir ser altamente dispendioso no Brasil o sistema de Justiça. O que justifica atenção sobre o tema, com a finalidade de descobrir as causas dessa aparente inconsistência na comparação com os demais países e o que fazer para melhorá-lo.

É fato público e notório que o Brasil se destaca pela excessiva litigiosidade, não sendo difícil encontrar estudos que comprovem essa alta demanda pelos serviços do sistema de Justiça. Um fator que explica, se não totalmente, ao menos em boa parte, a existência de um sistema que tem uma dimensão muito superior ao dos demais países pesquisados, tendo em vista a necessidade de atender essa necessidade pública notadamente elevada.

Outro aspecto a ser chamada a atenção pode ser constatado por todo aquele que conhece o serviço público brasileiro, seja ele do sistema de Justiça, ou de outras áreas. A deficiência de planejamento e gestão é, no mais das vezes, nítida e inquestionável, e inexplicavelmente constante e presente. Melhorar planejamento e gestão aumenta consideravelmente a qualidade do gasto público, sendo esta uma antiga pretensão de todos aqueles que buscam o aperfeiçoamento do serviço público de uma forma geral, mas por razões difíceis de explicar não conseguem implementar.

Fazer mais com menos é uma obrigação de todos, sejam do setor público ou privado, mas para o setor público é um dever, e muito maior, pois administra recursos que não são seus, mas de outros – no caso, de toda a sociedade. Ao maximizar a qualidade do gasto público, produzindo o melhor serviço público com menos recursos, a discussão sobre os custos e valores perde muito de seu sentido. Querer apenas diminuir custos, sem melhorar a qualidade do gasto, vai resultar na óbvia e proporcional piora dos serviços, o que não tem racionalidade nem traz qualquer benefício, especialmente em se tratando de serviços essenciais.

A Lei de Qualidade Fiscal, que viria – ou virá – a substituir a já sexagenária Lei 4.320, de 1964, que completou seus 60 anos no último dia 17 de março, tanto demora a ser aprovada que já está defasada. O projeto foi elaborado e tramita com dispositivos que antecedem a verdadeira “revolução” da “era da inovação” que vivemos, com as moedas digitais, que inevitavelmente afetarão as finanças públicas, além do recente e rápido avanço da inteligência artificial. As novas finanças públicas não ficarão à margem desse processo, e a gestão pública já está sendo fortemente afetada pelas novas tecnologias.

Os custos do Poder Judiciário e de todo o sistema de Justiça em muito se beneficiarão dessas novas tecnologias, que tem o potencial de reduzi-los significativamente. O exemplo dado no período de pandemia, que verdadeiramente mudou rápida e radicalmente a gestão do Poder Judiciário, com audiências e atos processuais integralmente informatizados, evitando despesas com deslocamentos de partes, advogados, servidores, presidiários e demais envolvidos com o sistema, mostrou que as despesas serão muito menores. Até prédios públicos tornaram-se desnecessários, e todas as despesas a eles relacionadas, evidenciando que a redução dos custos no âmbito dos serviços de Justiça é uma realidade de curto prazo.

É compreensível, justa e correta a preocupação com os custos do Poder Judiciário. Ou, como levantada a questão pelo ministro Luís Roberto Barroso, quanto vale o Poder Judiciário[3]. Embora seja fundamental, mais do que se preocupar com os custos do Poder Judiciário, ou o seu real valor, melhor seria coordenar esforços e energia para gerar mais eficiência na prestação dos serviços, com aumento na qualidade do gasto, promovendo melhores resultados com menor custo. Poderemos deixar de nos preocupar com o quanto custa ou vale o Poder Judiciário ao saber que está prestando o melhor serviço com o menor custo. Se a Justiça for a mais cara do mundo, mas for a melhor do mundo, certamente valerá a pena.


[1] CONTI, José Mauricio. A autonomia financeira do Poder Judiciário. São Paulo: Blucher, 2019, especialmente capítulo 5, pp. 127-142 (Versão eletrônica gratuita: https://www.blucher.com.br/a-autonomia-financeira-do-poder-judiciario).

[2]  BRASIL. SECRETARIA DE ORÇAMENTO FEDERAL. Despesa por Função do Governo Geral. Brasília: Tesouro Nacional-SOF-IBGE, 2023

[3] Quanto vale o Judiciário? (In Folha de S. Paulo, 24.2.2024 (https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/02/quanto-vale-o-judiciario.shtml)