Qual controle de contas estamos empoderando?

JOTA.Info 2024-04-17

Em 24 de março, Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), foi preso por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Ele é acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Essa não é a primeira polêmica envolvendo Brazão. Em 2017, ele foi preso pela Polícia Federal no âmbito da Operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato. Suspeito de integrar suposto esquema criminoso de recebimento de propina em contratações com o estado, acabou afastado do TCE-RJ por determinação judicial. Em maio de 2023, foi autorizado a reassumir o cargo de conselheiro.

O nome de Brazão também voltou ao noticiário pelo fato de, pouco antes da prisão de 2024, ter recebido R$ 581 mil referentes a 420 dias de férias que não teriam sido tiradas entre 2017 e 2023 — período em que esteve afastado do TCE-RJ por decisão judicial.

O caso ilustra e exemplifica fenômeno que havia sido capturado por pesquisa realizada pela Transparência Brasil em 2014, atualizada em 2016.

Levantamento sobre a vida pregressa de todos os 233 conselheiros em exercício nos 34 tribunais de contas brasileiros de todos os níveis federativos detectou que “80% ocuparam, antes de sua nomeação, cargos eletivos ou de destaque na alta administração (…); 23% sofrem processos ou receberam punição na Justiça ou nos próprios Tribunais de Contas; e 31% são parentes de outros políticos — em alguns casos, foram nomeados pelos próprios tios, primos ou irmãos de governadores”.

Impressiona o número de ocorrências (“citações ou condenações na Justiça e nos Tribunais de Contas”) por tipo de infração, reiterando que se trata de números atualizados apenas até 2016:

Fonte: Transparência Brasil, 2016

O resultado da pesquisa, que é preocupante em si, ganha dimensão ampliada ao se considerar o movimento em curso no Brasil, capitaneado pelo Tribunal de Contas da União, de autoatribuição de competências e de autoatualização do papel do controle externo.

O TCU de hoje não só parece propenso a desempenhar suas competências com mais liberdade, como a exercer controle em espaço não propriamente adstrito às finanças públicas. Como anotou um dos autores deste texto, o tribunal tem se afastado do perfil universalmente reconhecido a tribunais de contas, e se aproximado do jeitão de um tribunal administrativo. Virou revisor (ou avalizador) geral da atividade administrativa nacional.

A postura do TCU empodera não só a si próprio, como a todo o sistema de controle de contas. Apesar de não ter influência direta sobre TCEs e TCMs, indiretamente influi na sua organização e modo de ser e agir. Dá exemplo, mostra caminhos — afinal, o que vale para o TCU tem de valer para TCEs e TCMs (art. 75 da Constituição).

Controle de contas turbinado eventualmente pode ser bom. Mas grandes poderes trazem grandes responsabilidades.

Observadores do mundo público — jornalistas, juristas, cientistas políticos etc. — historicamente têm mobilizado esforços para acompanhar e melhorar o processo de escolha de decisores em órgãos judiciais. Não se vê o mesmo dispêndio de energia em relação às nomeações para o controle de contas. Tudo sugere que isso tenha que mudar.