O controle do TCU em linhas de defesa

JOTA.Info 2024-06-26

Com a edição da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021), o Tribunal de Contas da União (TCU) conferiu nova orientação para acessar o controle de contas. Com base no art. 169 da lei e no princípio da eficiência, o interessado não pode acionar diretamente o TCU. Antes, deve se dirigir à primeira linha de defesa (servidores, empregados públicos, agentes de licitação e autoridades) e à segunda linha de defesa (assessoramento jurídico e de controle interno do órgão ou entidade)[1].

Trata-se de uma tentativa de bloquear a prática, muito utilizada por licitantes, de apresentar pedidos de esclarecimentos, impugnação ao edital ou recurso administrativo concomitantemente com o ingresso de representações ou denúncias no TCU. Na avaliação do TCU, a adoção da tese das linhas de defesa evitaria o uso indevido ou abusivo dos recursos públicos (Ac. 1146/2024) e evitaria duplos esforços de apuração desnecessários[2].

Nas 20 representações examinadas nessa coluna, praticamente todas dizem respeito a irregularidades em certamente licitatórios. Embora tenham sido conhecidas, não foram admitidas por ausência de impugnações ou recursos nas linhas anteriores (Ac. 1146/2024 e Ac. 2088/2022); perda do objeto porque o órgão ou ente administrativo já havia tomado providências para superar a irregularidade (Ac. 1405/2022; Ac. 2134/2022), como a suspensão do certame (Ac. 1669/2023), retorno da concorrência (Ac. 465/2024) ou republicação do edital saneado (Ac. 2591/2022 e Ac. 2454/2022); acolhimento de impugnação, que versava sobre assunto idêntico à representação (Ac. 1089/2022 e Ac. 1123/2022); ou, simplesmente, porque ainda não havia decisão da esfera administrativa (Ac. 1354/2023).

É salutar o TCU buscar critérios para triagem das representações que lhe são apresentadas, especialmente para evitar comportamentos oportunistas, que já foram evidenciados nessa pequena amostra. Porém, seria o critério das linhas de defesa o mais adequado?

Há o risco de excessiva simplificação do sistema de controle das contratações pública. Embora os membros da primeira linha tenham inquestionavelmente compromisso com a autotutela, eles não são controladores. A lógica do sequenciamento é desafiada quando o caso concreto requer uma atuação mais imediata do controle externo, como em ilegalidades graves ou corrupção. Tanto assim que o TCU acatou representação contra irregularidades mais graves, mesmo sem qualquer pedido de esclarecimento ou impugnação administrativa (Ac. 327/2023).

Uma possível alternativa é reconhecer que o TCU poderá atuar quando constatada a coisa julgada administrativa ou o processo administrativo esteja maduro o suficiente para sua apreciação, mesmo sem decisão pública final. Igualmente importante é o desenvolvimento de programa de reportantes (whistleblowing), em que terceiro não envolvido no ilícito possa apresentar, com segurança, informações e evidências de ilícitos relevantes predefinidos pelo Tribunal, como o cartel em licitação e o direcionamento de edital.


[1] O tema foi alertado pela professora Christianne Stroppa no 2º Congresso Jurídico Campo das Vertentes.

[2] Cf. Ac. 572/2022; Ac. 1354/2023; Ac. 1089/2022; Ac. 1405/2022; Ac. 2134/2022; Ac. 1061/2022; Ac. 1293/2022; Ac. 1669/2023; Ac. 2591/2022; Ac. 2454/2022; Ac. 2088/2022; Ac. 1123/2022; Ac. 1882/2022; Ac. 2591/2022; Ac. 1805/2022.