Apesar de derrota na França, extrema direita segue em franca ascensão global
JOTA.Info 2024-07-08
As recentes derrotas de grupos à direita nas eleições parlamentares de França e Reino Unido parecem indicar num primeiro momento que grupos simpáticos ao fascismo estão em declínio, havendo, portanto, espaço para a recomposição do centro tão necessário ao funcionamento e manutenção das democracias liberais no longo prazo.
Todavia, uma análise mais detalhada da conjuntura político-econômica em escala global sugere que a extrema-direita — muitas vezes camuflada como ultradireita, que seria iliberal, mas aceitaria a democracia — segue em franca ascensão.
Mais do que fruto da mobilização de setores centristas em conjunto com a esquerda democrática, o fracasso do Reunião Nacional (RN) — partido da líder extremista francesa Marine Le Pen — em conquistar o primeiro lugar no segundo turno das eleições legislativas do último domingo (7) foi moldado pelo sistema distrital.
Resumindo de modo bastante simples a literatura sobre o tópico, pode-se dizer que esse sistema distorce a representatividade das forças políticas, pois a distribuição de assentos no parlamento não é feita de modo proporcional aos votos recebidos por cada partido em escala nacional ou regional.
Assim, contradizendo a maioria das projeções, o RN perdeu a liderança conquistada no primeiro turno e tornou-se o partido que obteve apenas o terceiro maior número de cadeiras na Assembleia Nacional da França, ficando atrás da Nova Frente Popular, de clara tendência à esquerda, e da coalização liderada pelo presidente Emmanuel Macron, o Ensemble (Juntos, numa tradução literal). Nenhum grupo, porém, conseguiu formar maioria absoluta. Ademais, o RN foi o partido que mais recebeu votos proporcionalmente, totalizando 37% das preferências contra apenas 17% há dois anos. Cabe ainda destacar que o pleito deste ano registrou o maior comparecimento às urnas em 40 anos.
A ascensão do radicalismo de direita também está assaz camuflada no Reino Unido, cujas eleições ocorreram em 4 de julho. A supermaioria do Partido Trabalhista, que historicamente é de esquerda, mas caminhou rumo ao centrismo sob a liderança do recém-empossado primeiro-ministro Keir Starmer, é superior a 60% das cadeiras do parlamento ainda que tenha recebido pouco menos de 34% dos votos.
Tal como no sistema francês, os representantes britânicos são eleitos por distritos, sem, no entanto, haver um segundo turno em que até três candidatos disputam a preferência do eleitorado, conferindo, assim, maior legitimidade ao pleito.
Depois de 14 anos no poder e do desastroso processo do Brexit, os conservadores ainda lograram obter cerca de 24% dos votos, mas ficaram com menos de 20% dos assentos. O grande destaque foi o Reform UK, do líder de extrema direita Nigel Farage, principal mentor político do Brexit e que chega ao parlamento britânico pela primeira vez. O partido ficou em terceiro lugar na soma total de votos, com 14,3% dos sufrágios, chegando à frente dos liberais-democratas, de orientação centrista, que conquistaram 12,2% dos eleitores. Porém, enquanto o Reform UK obteve apenas cinco cadeiras, os Lib-Dems terão 72 representantes na legislatura.
Assim, a centro-esquerda e, portanto, a própria democracia liberal ainda sobrevivem de modo precário. Isso porque a direita clássica e até mesmo autodenominados centristas há tempos incorporaram pautas caras à extrema direita, como o ódio a minorias e migrantes.
Tal estratégia, porém, é incapaz de parar a raiva populista, o que indica que Marine Le Pen, a líder de fato do RN, tem razão ao rotular a derrota do último domingo como uma “vitória adiada”. Depois de ter ido ao segundo turno das eleições presidenciais de 2017 e 2022, tudo indica que ela é a franca favorita para suceder Macron.
Fora da Europa, a força da extrema direita é ainda mais clara, com a muito provável vitória de Donald Trump em novembro na corrida pela Casa Branca. O candidato republicano segue à frente de Joe Biden, que insiste em se manter na disputa mesmo após a performance lamentável no debate organizado pela CNN no final de junho.
Na América do Sul, Javier Milei virou o queridinho dos mercados com um duro ajuste que sacrifica os mais pobres na Argentina enquanto adota a cartilha nacionalista-populista até mesmo em política externa. Recusa-se a participar da reunião do Mercosul dos dias 7 e 8 de julho por desprezar o bloco e para não encontrar seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas participou da CPAC, conferência conservadora liderada pelo inelegível Jair Bolsonaro (PL) em Balneário Camboriú. O encontro também contou com a participação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), visto como uma alternativa moderada à direita.
Se França e Reino Unido ensinam algo a Brasil e Estados Unidos, resume-se ao fato de que sistemas políticos importam para barrar a extrema direita, mas não são suficientes para tanto. No caso brasileiro, aliás, o Congresso Nacional claramente foi à direita em 2022 por conta do sistema de representação proporcional. Na ascensão de tendências fascistas, não há inocentes: desde a vontade popular reacionária até a empáfia dos democratas que se arvoram no elitismo, passando pela influência crescente de autocracias como China e Rússia, todos são culpados pela erosão democrática cujos efeitos estão longe de cessar.