O futuro da liberdade de expressão nas plataformas digitais

JOTA.Info 2024-12-11

O STF está realizando o julgamento sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Este, sancionado em 2014, introduziu um novo regime jurídico para a internet, com o artigo 19 como ponto central das normas de responsabilidade das plataformas.

O artigo define que plataformas digitais só poderiam ser responsabilizadas civilmente por conteúdos publicados por terceiros, caso não removessem tais conteúdos após uma ordem judicial específica. Contribuindo para que as plataformas não realizassem remoção do conteúdo de forma indevida, de forma a não comprometer a liberdade de expressão do indivíduo.

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Frente aos novos desenvolvimentos da tecnologia e a rápida proliferação de conteúdos com a presença de fake news ou até mesmo de discurso de ódio, os que defendem a inconstitucionalidade do artigo 19 argumentam sobre a necessidade da ação imediata das plataformas nesses casos.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Instituto Alana, por exemplo, defendem o sistema de notice-and-takedown não apenas para conteúdo de ódio e racismo, mas também em casos de relações de consumo e proteção de crianças e adolescentes. No entanto, advogados e especialistas, incluindo o ex-ministro Francisco Rezek, alertam que uma alteração como essa pode levar a uma censura excessiva, pois as plataformas teriam motivos para remover preventivamente vários conteúdos, ameaçando o direito à liberdade de expressão.

A proposta que tornaria o artigo 19 inconstitucional encontra respaldo em leis como a NetzDG, lei alemã promulgada em 2018, que obriga as plataformas a removerem conteúdos considerados “manifestamente ilícitos”, como incitação ao ódio, difamação, insultos e propaganda nazista de forma imediata.

Em caso de descumprimento, as plataformas podem ser multadas em até 50 milhões. Os críticos dessa lei apontaram para os riscos de uma censura prévia em larga escala, que comprometeria tanto o direito de apelação dos usuários quanto a própria liberdade de expressão.

Essa lei posteriormente inspirou outros países que buscavam regulamentar o conteúdo nas plataformas sociais. Em 2017, a Rússia implementou sua própria versão da legislação, exigindo que as plataformas removessem conteúdos “ilegais” em até 24 horas. Desde então, o país aprovou novas leis para regular conteúdos considerados “não confiáveis” e, em outra medida, Putin alterou o código penal para punir com até 15 anos de prisão aqueles que divulgarem “informações falsa” sobre as Forças Armadas.

Além disso, a Turquia, outro país autoritário e reconhecido por suas ações contra jornalistas, promulgou a Lei de Desinformação. A medida foi aprovada sob o pretexto de combater discurso de ódio, mas, na prática, ampliou o controle governamental sobre as redes sociais, restringindo críticas da oposição.

Esse é o cerne da questão: leis que permitem a remoção em massa de conteúdos pelas plataformas, sob o argumento de que são manifestamente ilícitos, abrem caminho para que leis mais restritivas e, por vezes, mais autoritárias, sejam criadas.

O problema de basear essas regulações em termos amplos como “manifestamente ilícito”, “notoriamente inverídico” ou “não confiáveis” está na falta de critérios claros, além de transferir às plataformas a responsabilidade de decidir sobre a remoção, sem escrutínio judicial. Isso cria um cenário propício à supressão de vozes minimamente dissidentes e legítimas para o debate público.

Assim, o julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet é crucial para o futuro da liberdade de expressão nas plataformas digitais. Se o Brasil seguir exemplos de legislações como as da Alemanha, Rússia e Turquia, as plataformas poderão ser pressionadas a realizar censura em massa, não apenas de conteúdo ofensivo ou falso, mas também de opiniões que contrariem determinados interesses ou posições políticas.

A liberdade de expressão é um direito essencial para uma democracia sólida e não deve ser tomada como garantida. Uma vez que em contextos autoritários, é um dos primeiros direitos a ser extinto. Dito isso, estabelecer uma regulação que permita a remoção de conteúdos com base em critérios amplos e sem o devido escrutínio judicial vai contra aquilo que o Marco Civil da Internet, realizado através do apoio da ampla sociedade civil, se esforçou em fazer.