TCU e fiscalização dos fundos de pensão: digam aos jurisdicionados que fico
JOTA.Info 2024-12-12
Em 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) revisitou seu papel na fiscalização de operações no mercado de capitais. Por meio de um Grupo de Trabalho criado após julgamentos envolvendo aportes da BNDES Participações (BNDESPar), a corte busca esclarecer sua competência em relação a órgãos reguladores especializados, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O GT reflete a necessidade de definir se o controle do TCU será de primeira ou segunda ordem. O primeiro implica fiscalização direta e análise de mérito das operações, enquanto o segundo se limita à supervisão complementar, avaliando a atuação do regulador especializado (no entanto, permitindo que a Corte de Contas supra a sua atuação, caso entenda que esta tenho sido deficiente ou omissa). O desafio reside em delimitar os casos excepcionais que justificariam a atuação direta do tribunal.
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Embora o foco inicial tenha sido o mercado de capitais, o TCU também abordou sua relação com Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), reguladas pela Previc. Desde o Acórdão 3.133/2012-TCU-Plenário, restou consolidada a competência do TCU sobre a gestão de recursos de fundos de pensão patrocinados por estatais[1].
Após um longo período de atuação expansionista em relação ao mercado de capitais e às entidades fechadas de previdência, em novembro de 2024, o GT apresentou uma minuta de Instrução Normativa visando normatizar sua atuação em negociações de valores mobiliários e na fiscalização de déficits atuariais de fundos de pensão. A minuta destaca que, embora exista regulação de primeira ordem, o TCU pode revisitar decisões quando estas envolverem recursos públicos, como previsto no art. 70 da Constituição Federal.
Essa proposta de normatização, contudo, não avança significativamente na definição de diretrizes claras para evitar sobreposição de competências. Em vez disso, reforça a autoafirmação do TCU em fiscalizações de primeira ordem, mesmo em áreas já cobertas por reguladores especializados, como a CVM e a Previc.
Há o risco de “borrar as fronteiras” entre fiscalizações de primeira e segunda ordem. Esse cenário, descrito por especialistas como “accountability overload“, pode comprometer a eficiência do controle externo e levar os jurisdicionados a uma atuação excessivamente cautelosa, mais apegada a seguir os parâmetros já explicitados pelo controlador em detrimento da otimização do interesse público (o que, em síntese, configura o fenômeno conhecido como “apagão das canetas”), gerando incertezas jurídicas e, em última instância, prejudicando participantes e assistidos vinculados às EFPC.
A minuta identifica que, atualmente, as EFPC concentram a maioria dos processos relacionados a valores mobiliários no TCU, reforçando a necessidade de monitoramento contínuo de déficits atuariais, uma vez que, na ótica do GT, estes teriam sido provocados após operações que envolveriam valores mobiliários.
No entanto, o texto atual da minuta não oferece parâmetros objetivos para atuação em casos de múltiplos agentes reguladores. A proposta aparenta priorizar a expansão da competência do TCU em detrimento da integração com órgãos como a CVM, responsável pelo mercado de capitais.
Ao justificar sua competência, o TCU argumenta que seus objetivos institucionais diferem dos reguladores especializados, permitindo análises complementares. Ainda assim, falta consenso sobre o equilíbrio entre a autonomia dos reguladores e o papel da Corte de Contas.
É essencial que a minuta da IN seja revisada para estabelecer diretrizes claras. A definição precisa do papel do TCU garantirá a integridade do controle externo sem prejudicar a atuação dos reguladores primários. Ao revés, deve-se buscar o seu fortalecimento. A cooperação entre as instituições será fundamental para preservar a eficiência da fiscalização e evitar redundâncias e sobreposições.
[1] O tema chegou a ser revisitado em 2018. A partir de determinação contida no Acórdão 1.114/2018-TCU-Plenário, foi determinada a realização de estudo técnico para complementar o entendimento do Acórdão 3.133/2012-TCU-Plenário no que tange aos procedimentos de fiscalização da corte sobre os fundos de pensão. No entanto, à época, o tribunal não editou qualquer normativo nesse sentido.