Mercado livre de energia e os riscos de um debate concorrencial precipitado
JOTA.Info 2024-12-24
O Ambiente de Comercialização Livre (ACL), mercado no qual empresas podem escolher seu próprio fornecedor de energia elétrica (chamado comercializador), vem se desenvolvendo fortemente nos últimos anos.
Este movimento se acelerou em 2024, após o Ministério de Minas e Energia ter promovido, no início do ano, uma ampliação significativa do leque de empresas que poderiam participar desse mercado, incluindo todas aquelas do Grupo A (que são os de alta tensão).
Conheça o monitoramento nos Três Poderes sobre os principais assuntos do setor de energia feito pela solução corporativa do JOTA PRO Energia
Dados da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) indicavam que, em agosto deste ano, esse mercado já tinha crescido 25% em 2024 e 46% no acumulado de 12 meses.[1] E só em 2023, o ACL já contava com mais de 500 comercializadores.[2]
É neste contexto, de um mercado em crescimento, que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) disponibilizou a Tomada de Subsídio 14/24 que trata de possível implementação de medidas regulatórias envolvendo aspectos concorrenciais no âmbito da comercialização no mercado varejista de energia elétrica.
Em um ambiente de um mercado competitivo, com vários players atuando e com uma forte perspectiva de crescimento, a grande pergunta a ser respondida é se o ACL precisaria, de fato, de novas regras concorrenciais. Com o encerramento do prazo para as contribuições dos agentes do mercado, a agência reguladora deve apresentar em breve sua análise e esperamos que essa pergunta seja respondida.
Não obstante, documentos anexados neste processo, que motivaram a abertura da Tomada de Subsídios, trazem indícios de que a Aneel pode estar partindo de um entendimento distinto dos fatos aqui narrados.
A agência, por exemplo, tratou desse ambiente como submercados locais com elevada concentração e sugeriu que isso seria um problema per se, que derivaria da presença de empresas comercializadoras pertencentes ao mesmo grupo de distribuidoras de energia.
Na visão regulatória concorrencial, teríamos supostamente empresas verticalizadas que poderiam estender seu poder de mercado do segmento de distribuição para o ACL, exigindo, assim, uma regulação mais rígida.
O problema dessa análise é que ela parte de premissas equivocadas. Em primeiro lugar, porque, como as comercializadoras podem negociar energia em todo o país, o mercado deve ser entendido como nacional. Com isso, as supostas concentrações excessivas identificadas em submercados pela Aneel se diluiria substancialmente ao assumirmos o mercado nacional.
Em segundo, porque há efetiva rivalidade entre concorrentes e não existem barreiras impeditivas à entrada de novas empresas neste mercado. No linguajar da defesa da concorrência, estamos tratando de um mercado competitivo e contestável. Aliás, a própria queda de preços observada no mercado de comercialização tem corroborado esta tese.
Em terceiro, porque a Aneel não fez uma análise completa concorrencial dos incentivos à prática de condutas anticompetitivas derivados da verticalização vigente no mercado, algo fundamental em uma avaliação de impacto regulatório. Ademais, já existem mecanismos punitivos adequados na área regulatória, que podem ser acionados de forma pontual para quem comprovadamente cometeu alguma irregularidade, sem afetar o mercado como um todo.
Em quarto lugar, porque a imposição das restrições descritas nos documentos da Aneel são desproporcionais ao que seria o problema identificado, podendo gerar efeitos contrários aos esperados, inclusive a redução da concorrência que se pretende garantir. Aliás, este aspecto foi também levantado pelos técnicos do Ministério da Fazenda em sua contribuição à Tomada de Subsídio, por meio da Nota Técnica SEI 2802/2024/MF.[3]
Finalmente, devemos lembrar que este é um mercado relativamente novo, que tem mostrado um enorme potencial de crescimento, sem a imposição de novas regras. Portanto, seria mais prudente, neste momento, fazer apenas um acompanhamento da evolução do mercado, usando, quando necessário, mecanismos pontuais de defesa da concorrência e as regras regulatórias já existentes.
Dito de outra maneira, a melhor opção, dentre aquelas apontadas na Tomada de Subsídio, seria não fazer nada, ao menos neste momento.
[1] https://abraceel.com.br/destaques/2024/08/mercado-livre-de-energia-supera-marca-de-50-mil-unidades-consumidoras-e-cresce-25-no-ano/#:~:text=DestaquesPress%20Releases-,Mercado%20livre%20de%20energia%20supera%20marca%20de%2050%20mil,e%20cresce%2025%25%20no%20ano&text=*%20Em%20julho%20de%202024%2C%20ambiente,no%20acumulado%20de%2012%20meses.
[2] https://abraceel.com.br/press-releases/2023/11/migracoes-aceleram-e-mercado-livre-de-energia-ganha-66-mil-novos-consumidores-em-12-meses/.
[3] https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/tomadas-de-subsidios?p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&p_p_lifecycle=2&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_cacheability=cacheLevelPage&p_p_col_id=column-2&p_p_col_count=1&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideDocumento=53869&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_tipoFaseReuniao=fase&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_jspPage=%2Fhtml%2Fpp%2Fvisualizar.jsp.