O que o advogado negociador pode esperar do futuro?
JOTA.Info 2024-12-27
O grande volume de processos na carteira dos tribunais brasileiros não é novidade para ninguém; nem para os julgadores nem para os advogados nem para a própria população.
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Diante desta certeza o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu metas que refletem objetivos qualitativos e quantitativos para o Poder Judiciário, sendo que duas delas se destacam para à nossa análise sobre a perspectiva de futuro do advogado negociador. Vejamos:
- Meta 1 – Julgar quantidade maior de processos de conhecimento do que os distribuídos no ano corrente, excluídos os suspensos e sobrestados no ano corrente;
- Meta 3 – Estimular a conciliação (Justiça Estadual, Justiça Federal e Justiça do Trabalho).
Comecemos pela análise da Meta 1. Ela tem evidente objetivo de reduzir o estoque de processos na fila para serem julgados no Judiciário, o que, obviamente, só ocorre com o encerramento de um número maior de processos quando comparado aos que são distribuídos.
O Justiça em Números 2024, repositório estatístico do Judiciário publicado pelo CNJ[1], auxilia muito nesta análise. Ele mostra que em 2023 foram distribuídos aproximadamente 35 milhões de processos, revelando o maior aumento percentual dos últimos 20 anos, de 9,4%. Vemos, portanto, que o mercado jurídico está dinâmico e em crescimento.
Por outro lado, o relatório também mostra que os tribunais mantiveram a sua alta produtividade, que, no entanto, não foi o bastante para reduzir o número de processos da carteira. Ao contrário do que o esperado, ocorreu aumento de aproximadamente 1% quando comparando com a base que de 2022, o que levou o acervo para os impressionantes 83,8 milhões de processos.
Estes meritórios esforços do CNJ precisam ser intensificados, pois, no máximo, se conseguiu mitigar o aumento da carteira, mas não foram e tudo indica que não serão o bastante para reverter a curva de crescimento. Sendo assim, encontrar formas de reduzir a carteira de processos se mantém um desafio, que agora os números revelam ser maior do que o imaginado.
Nesta esteira, apesar de produtivo e eficiente, o Judiciário, sozinho, se mostra incapaz de reduzir a carteira na conjuntura atual.
Uma opção poderia ser o Estado aumentar o orçamento direcionado ao Poder Judiciário, para que possa ampliar estrutura física e arcar com o custo de novas contratações, tanto de juízes quanto de serventuários. Todavia, esta não nos parece a melhor solução, dado que a atividade judiciária não é autossustentável e que seria improvável o aumento do financiamento público com base nos atuais debates sobre o orçamento nacional.
Além disso, continuamos formando muitos advogados. Em 2023 já havia quase 1,5 milhão de advogados no país, o que nos faz liderar o ranking mundial de advogados/habitantes. Por ano, mais de 100 mil bacharéis fazem a prova da OAB na esperança de se tornarem advogados, logo a expectativa é que aumente ainda mais o número de advogados captando causas no mercado, estimulando cada vez mais a litigiosidade e, como consequência, a distribuição de novos processos[2].
Por fim, o país está em crescimento[3], o que estimula ainda mais não só o consumo, mas também as interações sociais que, quando em crise, precisam ser pacificadas, o que pode também pressionar o aumento na distribuição de novas ações.
Portanto, com base nestes dados, a tendência é de um aumento da judicialização, caso nada seja feito para reverter esta curva que se mostra ascendente.
Diante do exposto, a tendência é de alta na distribuição. Precisamos considerar medidas para reverter esta curva de crescimento da base de processos no Judiciário.
Acreditamos que algumas medidas associadas, como a adoção de inteligência artificial, estejam sendo pensadas para aumentar a produtividade dos órgãos judiciários, o que tem potencial de impactar favoravelmente nos resultados. Contudo deve ser acompanhada com atenção ante as discussões que envolvem o tema.
Desta forma, os esforços relacionados à desjudicialização, sustentada em métodos consensuais, são, portanto, nossas melhores apostas para redução do contencioso judicial do país, pois quando comparamos com outros países identificamos larga margem para crescimento. Isso está em linha com a Meta 3 do CNJ.
Os dados do Justiça em Números 2024 mostram que em 2023 não houve crescimento na quantidade de sentenças homologatórias de acordos nos tribunais brasileiros, mantendo-se o percentual de 12,1%, enquanto nos EUA esta taxa é de impressionantes 97%[4].
Esta disparidade de números entre Brasil e EUA de resoluções consensuais de conflitos, certamente, tem relação com a cultura local, mas também com métodos adotados pelos seus respectivos tribunais para estimular a conciliação.
Nos últimos anos houve um trabalho que podemos considerar bem-sucedido, provocando um aumento de 32,2% no número de sentenças homologatórias de acordos nos últimos oito anos, passando de 3 milhões de sentenças para 4 milhões. E há espaço para evolução, afinal, os números dos EUA mostram que é possível algo muito maior.
Vamos fazer algumas projeções que mostram como estimular a conciliação é a melhor solução para o problema do “engarrafamento” judicial que estamos estudando.
Vejamos, em uma conta rápida: qual seria o impacto caso consigamos passar de 12% para 36% de conciliação no acervo de processo dos tribunais, o que entendemos tem potencial de gerar importante redução na carteira?
Em números absolutos, nos patamares de hoje, o aumento de conciliação de 36% significaria um aumento de 4 para 12 milhões de acordos por ano, ou seja, seria um acréscimo de 8 milhões de processos resolvidos, o que provocaria uma redução de aproximadamente 10% da atual carteira de processos, permitindo que sonhemos com a redução total do estoque em aproximadamente 10 anos.
Obviamente, devemos considerar o aumento natural da distribuição de novos processos para projetar o futuro, mas temos que ter em consideração que sempre haverá um estoque de processos, que seriam compostos pelos processos que discutem direitos indisponíveis, por aqueles que apesar de tratar de direitos disponíveis as partes não alcançaram o acordo e, finalmente, aqueles em que ainda não se chegou a um acordo ou não se quer um acordo.
Os dados do Brasil nos mostram que um plano como este seria um grande desafio, no entanto os números norte-americanos nos mostram que isso está longe de ser impossível.
Continuemos a analisar os dados do Justiça em Números 2024 para tentar identificar um caminho na direção do aumento da conciliação.
Inicialmente, em 2016 a taxa de conciliação total era de 13,6%, enquanto hoje é de 12,1%. Portanto, se tivéssemos o mesmo patamar que em 2016, teríamos feito aproximadamente mais 400 mil acordos em 2023.
Além disso, em 2016 foram realizados 20,6% de acordos em fase de conhecimento e hoje o patamar caiu para 17,8%. Por fim, a boa notícia é que em 2016 o percentual de acordos em fase de execução era de 5% e hoje é de 9,1%. Se tivéssemos tido o mesmo crescimento na fase de conhecimento que tivemos na fase de execução, teríamos ao menos nos aproximado da meta hipotética que sugerimos de 36% de acordos totais.
A análise por tribunais também nos mostra que há esforço a se fazer pontualmente neles, tanto impondo metas mais arrojadas de conciliações quanto traçando estratégias para que as cortes que não estão cumprindo as metas passem a alcançar este objetivo[5].
Por exemplo, na Justiça Estadual oito tribunais não batem suas metas; na Justiça do Trabalho seis também não batem e na Justiça Federal temos a maior oportunidade de atuação, pois apenas 1 dos 6 tribunais alcança a meta de conciliação traçada pelo CNJ. Tratar estes desvios se revela como o esforço mais evidente na direção da redução do contencioso.
Podemos também olhar para os tribunais que mais se destacam e tentar identificar o que os levam aos seus resultados e replicar em todos os outros, não só naqueles que não cumpriram a meta.
Seguem os maiores destaques que foram identificados: (i) Justiça do Trabalho, como era de se esperar, destaca-se como o ramo com maior índice de conciliação; (ii) o estado do Maranhão chama atenção porque tanto na Justiça do Trabalho quanto nos tribunais cíveis lá é onde se fazem mais acordos; (iii) na Justiça Federal o TRF1 é onde se fazem mais acordos.
O segundo esforço deve estar na outra ponta, atentando para o que pode ser feito para as partes e os advogados passarem a optar pelos métodos consensuais de resolução de conflitos, posto que, hoje, a conciliação não é a primeira opção dos advogados para resolverem os conflitos de seus clientes.
Da mesma forma a conciliação não é vista pelas partes desde o início como uma opção melhor para resolver o conflito na maior parte dos casos.
Um trabalho firme junto aos advogados deve ser feito. Uma verdadeira operação de conscientização, contando com a participação das OABs para estimular os métodos consensuais de redução de conflitos, mostrando que ao substituir a judicialização pela conciliação conseguirão potencializar a sua advocacia, gerará mais valor para o seu cliente, diminuirá o tempo de resolução dos conflitos e será menos custoso.
Todos os sinais indicam que o consensualismo é o futuro, tanto pela qualidade do seu resultado, que privilegia as decisões tomadas em conjunto pelas partes, aumentando a chance da verdadeira pacificação social, quanto pela necessidade quase sufocante que revelam os dados do Justiça em Números 2024.
Tudo indica que o mercado se abrirá para os advogados com habilidades de negociação.
[1] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024-v-28-05-2024.pdf
[2] http://www.oab.org.br/noticia/59992/brasil-tem-1-advogado-a-cada-164-habitantes-cfoab-se-preocupa-com-qualidade-dos-cursos-juridicos
[3] https://www.ipea.gov.br/cartadeconjuntura/index.php/category/atividade-economica/
[4] https://legalknowledgebase.com/what-percentage-of-all-lawsuits-filed-actually-are-decided-at-trial
[5] https://justica-em-numeros.cnj.jus.br/painel-metas/