Saúde: retrospectiva 2024 e perspectivas para o setor em 2025
JOTA.Info 2024-12-30
O ano de 2024 apresentou um cenário legislativo e regulatório intensamente dinâmico para o setor da saúde de forma geral, com novidades relevantes em todas as esferas dos poderes da União.
Destacamos, na sequência, temas que, a nosso ver, tiveram grande repercussão em 2024 e que tendem a seguir em pauta em 2025.
Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor
No âmbito do Executivo, foram abertas as janelas para submissão de propostas de projetos de parcerias no contexto do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, além da publicação de regulamentações relevantes para ensaios clínicos.
No campo legislativo, testemunhamos a publicação do marco legal sobre pesquisa com seres humanos no Brasil, uma medida aguardada há anos pelo setor.
Por fim, o Judiciário ganhou holofotes ao proferir decisões relevantes, dentre elas, as que tratam do fornecimento de medicamentos não incorporados pelo SUS.
Marco legal de pesquisa clínica com seres humanos
Após sete anos de tramitação no Congresso Nacional, foi sancionada a Lei 14.874/2024, que regula a pesquisa com seres humanos no Brasil.
A nova legislação institui o Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, regulamenta os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) e estabelece parâmetros de proteção, remuneração dos participantes, e responsabilidades de pesquisadores e patrocinadores.
Ela endereça ainda, entre outros pontos, a necessidade de modernização e harmonização da legislação brasileira com os padrões internacionais de boas práticas clínicas, o estabelecimento de processos mais céleres de aprovação pelas instâncias ética e sanitária responsáveis, além de trazer, por óbvio, maior segurança jurídica para patrocinadores, investigadores e sujeitos de pesquisa, por se tratar de uma lei federal.
Sem entrar no mérito do conteúdo, aguarda-se a publicação de decreto regulamentador da lei visando trazer maior clareza e detalhamento das obrigações e procedimentos estabelecidos no marco legal.
Diferente da Anvisa, que já atualizou a resolução que trata dos procedimentos para a realização de ensaios clínicos no país, visando a posterior concessão de registro de medicamentos (RDC 945/24), segue pendente a atualização das normativas então vigentes da instância nacional de ética em pesquisa (antigamente, Conep), o que pode gerar alguma confusão e insegurança jurídica na medida em que a lei já está em vigor.
De toda forma, espera-se que a publicação da lei permita, a médio/longo prazo, uma maior atratividade do Brasil para investimentos em pesquisa clínica, com consequente ampliação do acesso a novas terapias e medicamentos para pacientes brasileiros.
De acordo com relatório divulgado pela Anvisa em dezembro de 2024, o Brasil ocupa atualmente a 19ª posição no ranking mundial de pesquisa clínica. Um dos principais fatores limitantes para o fomento à competividade global era justamente a ausência de legislação específica tratando do tema.
Estudos publicados pela Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), em dezembro de 2022, mostram que o Brasil possui alto potencial para incrementar sua participação na pesquisa clínica global. À época, foi considerado o potencial de aumento de 2% para 4,5% na participação no país em termos de quantidade de estudos iniciados.
Parcerias tecnológicas na saúde
Em 2024, o governo federal lançou normativas estruturantes da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS). A iniciativa foi formalizada através da Portaria GM/MS 4.472/2024, que regulamenta as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), e da Portaria GM/MS 4.473/2024, que regulamenta o Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL).
As mudanças, segundo o governo, foram impulsionadas pela necessidade de modernizar o setor de saúde, aumentar a competitividade das indústrias nacionais e garantir a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) diante dos desafios econômicos e sanitários, conforme ficou demonstrado durante a pandemia de Covid-19, em que transpareceu uma suposta vulnerabilidade do Brasil em relação à dependência de produtos e tecnologias estrangeiras.
A política faz parte do plano Nova Indústria Brasil (NIB), que busca estimular o desenvolvimento produtivo e tecnológico no país por meio de investimentos para o setor. Na área da saúde, o propósito do governo federal é estimular o desenvolvimento produtivo e tecnológico no país por meio de investimentos para o setor. A meta aspiracional é ampliar a participação da produção no país de 42% para 70% das necessidades nacionais em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, materiais, e outros insumos e tecnologias em saúde.
Ainda em 2024, foram abertas janelas de submissão de propostas de projetos de PDPs e PDILs. De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde, foram recebidas 322 propostas de projetos, sendo 175 para PDIL e 147 para PDPs, o que demonstra um efetivo interesse dos players dessa indústria nos arranjos tecnológicos.
Para 2025, é esperada a publicação dos resultados da primeira seleção de projetos realizada pelo Ministério da Saúde, além da abertura de novas janelas de submissão de propostas de projetos de PDP e de PDIL.
Empolgação à parte, o setor ainda apresenta alguma desconfiança em relação a essas modalidades de parcerias, não apenas em razão de experiências passadas em que, salvo algumas exceções, parcerias firmadas acabaram não atingindo seus objetivos e metas em tempo adequado e dentro dos respectivos cronogramas, mas também por ser tema objeto de regulação infralegal.
Isso pode trazer maior fragilidade em termos de segurança jurídica por estarem sujeitas, por exemplo, à desmobilização em caso de mudanças de governo. Os próximos anos serão chave para verificarmos eventual consolidação das parcerias tecnológicas como efetivos programas de política pública e não de governo.
STF e o fornecimento de medicamentos não incorporados pelo SUS
Em setembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) 1.366.243 e 566.471, que tratam, respectivamente, sobre a legitimidade passiva da União nas demandas pelo fornecimento de medicamentos registrados na Anvisa, mas não incorporados no SUS; e sobre o dever do Estado de fornecer esses medicamentos, independentemente de seu valor.
As recentes mudanças no panorama do STF foram impulsionadas por fatores como o crescimento exponencial de ações judiciais exigindo o fornecimento de medicamentos não incorporados pelo SUS, e a necessidade de equilibrar o orçamento público em face destas demandas.
Em relação à concessão judicial de fornecimento de medicamento não incorporado no SUS, o STF definiu a tese de repercussão geral no sentido de que, excepcionalmente, é possível a concessão, desde que observada, cumulativamente, as seguintes exigências:
- negativa do fornecimento do medicamento por meio da via administrativa;
- ausência de pedido de incorporação ou mora na sua apreciação pela Conitec;
- impossibilidade de substituição do tratamento por outro medicamento constante das listas do SUS;
- comprovação da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do medicamento, com base em evidências adequadas;
- imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico e incapacidade financeira do paciente.
Os efeitos práticos dessas decisões ainda são incertos, mas as justificativas do Judiciário passam por uma tentativa de buscar equilíbrio entre o direito à saúde e a sustentabilidade financeira do sistema público de saúde e conferir maior segurança jurídica, racionalidade e efetividade ao tratamento das demandas judiciais sobre o acesso a medicamentos no âmbito do SUS.
Críticos apontam que a decisão do STF concederia à Conitec um poder incontrolável de avaliação de nova tecnologias, sem possibilidade de contestação, com grande possibilidade de impacto à população no acesso a medicamentos inovadores.
Existe uma demanda de associações de pacientes e da indústria farmacêutica, de forma geral, por maior transparência e celeridade na atuação do órgão, pontos realmente críticos e sensíveis, especialmente para os pacientes portadores de doenças raras, com pouca ou nenhuma alternativa terapêutica disponível no Brasil e, muitas vezes, enfrentando uma verdadeira corrida contra o tempo na luta pela vida.
Os impactos e efeitos práticos destes julgamentos devem ser monitorados pelo setor, especialmente no que tange à observância dos critérios técnicos e científicos para a incorporação de medicamentos no SUS, à responsabilização solidária dos entes federativos pelo cumprimento das decisões judiciais, e à garantia do direito de acesso a medicamentos para os pacientes.
Como se observa, monotonia de fato não foi a marca de 2024, ano que pode ficar marcado na história do setor da saúde pela abundância de temas relevantes tratados nas três esferas de poderes.
E 2025 vem com o mesmo potencial, associado a outras questões espinhosas como a saga da reforma tributária, regulamentação de inteligência artificial e desafios contínuos na frente da geopolítica mundial. Apertem os cintos.