TCU, bets e bolsa família
JOTA.Info 2025-01-22
A difusão de jogos no ambiente virtual preocupa reguladores e controles estatais em todo o mundo. O entretenimento embute riscos variados e Estados nacionais têm tido dificuldade de neutralizá-los ou mitigá-los. O principal desafio é regular e controlar, a partir dos Estados, atividade desterritorializada por natureza.
No Brasil, números iniciais levantados pelo Banco Central agitaram o debate. Bilhões de reais teriam sido gastos por brasileiros com apostas em 2024 e muitas pessoas beneficiárias do Bolsa Família estariam realizando apostas em plataformas virtuais.
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Em reação a esses achados preliminares, ações diretas de inconstitucionalidade foram propostas, no Supremo Tribunal Federal, contra as leis que disciplinam o tema (13.756, de 2018, e 14.790, de 2023). No âmbito do Tribunal de Contas da União, o Ministério Público junto ao TCU formulou representação visando impedir que cartões sociais sejam usados para apostas e suspender pagamentos a beneficiários apostadores.
No fim de 2024, Jhonatan de Jesus conheceu da representação e determinou a adoção, pelo Executivo, de providências concretas para estancar de imediato o problema relatado pelo representante. Em resposta ao despacho, ofícios indicaram que o cumprimento da ordem seria tecnicamente inviável.
Antes de apreciar o mérito do despacho do relator, caberá ao plenário se debruçar sobre questão preliminar fundamental: seria esse um assunto para o TCU?
Se a acusação fosse a de que recursos do Bolsa Família estivessem sendo destinados a pessoas que não fazem jus ao benefício, não seria implausível cogitar de ação do controle de contas — afinal, dinheiro público, arrecadado via tributação, estaria sendo usado por órgão público de modo incompatível com o previsto nas normas.
Mas não há, aqui, acusação de irregularidade na transferência de recursos públicos a beneficiários do Bolsa Família. O suposto problema estaria no fato de pessoas que recebem o benefício estarem fazendo apostas em plataformas virtuais.
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Segundo o relator, a conduta configuraria “desvio funcional e expressivo dos recursos e reforça[ria] a necessidade de intervenção [do TCU]”. A cautelar teria sido necessária para “evitar o uso indevido de recursos públicos em atividades incompatíveis com os objetivos constitucionais dos programas assistenciais”.
É evidente que o Estado pode, e deve, procurar entender os padrões de gastos de sujeitos que recebem Bolsa Família. A informação pode ser útil para calibrar a política pública — e, por consequência, para perseguir a redução de desigualdades etc. Mas disso não se pode inferir a específica competência do TCU para tomar providências concretas relacionadas a condutas de seus beneficiários.
O controle de contas deve se preocupar com a fiscalização dos recursos do Bolsa Família até o momento em que eles chegam às mãos de quem têm que chegar. A partir daí, eles se tornam privados — e, por isso, alheios a ele. O só fato de pessoas serem beneficiárias de programas assistenciais não as torna jurisdicionadas do TCU.