Não cabe ação penal contra advogada que usou celular em audiência, diz Gilmar
JOTA.Info 2021-02-04
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu habeas corpus a uma advogada que usou o celular em audiência, depois que o juiz da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo havia determinado que ela não poderia utilizar o aparelho. A conduta havia sido enquadrada no crime de desobediência.
O ministro, no entanto, afirmou, na decisão desta quarta-feira (3/2), lembrou que não há subordinação entre a advogada e o magistrado e que a ordem dada por ele contraria o texto legal.
“O próprio legislador autorizou o uso do aparelho celular em audiência, independentemente de autorização judicial, razão por que não pode configurar crime o exercício de um direito conferido por lei, não estando a conduta narrada no espectro normativo de alcance do tipo penal em questão”, disse o ministro.
Desse modo, continuou ele, “inobstante caber ao magistrado a presidência da audiência e o exercício do poder de polícia, há outras medidas administrativas previstas para aquele que, sendo parte ou advogado, tumultue o andamento dos atos solenes”. Leia a íntegra da decisão.
A ação corria na 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo, “por ter ela supostamente infringido o art. 330 do Código Penal, consistente na desobediência de ‘ordem de juiz trabalhista que proibiu tal paciente de usar o celular em audiência'”. Inicialmente a conduta dela foi classificada como desacato.
O episódio ocorreu em 23 de janeiro de 2018, quando a advogada estava em audiência na 3ª Vara do Trabalho de São Paulo, na Zona Leste de São Paulo. Ela sustenta que não desobedeceu ordem justamente por entender que ela era “manifestamente ilegal”, inclusive por norma do Novo Código de Processo Civil (CPC) que permite que o advogado registre a audiência com meios próprios.
Tanto no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), como no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o pedido de trancamento foi negado. O acórdão do TRF3 apontou que o juiz que presidia a audiência trabalhista determinou, por várias vezes, que ela deixasse de usar o celular “para que a parte ou testemunha ainda não ouvida não tomasse ciência dos atos processuais já praticados, conforme manda a norma processual”. Diante da insistência dela, ele suspendeu a audiência.
Para o ministro Gilmar Mendes, no entanto, para a configuração do crime de desobediência não basta que o agente desobedeça a ordem emitida por funcionário público; mas é necessário que essa ordem seja legal. “Não me parece razoável que o legislador tenha garantido a gravação da audiência, independentemente de autorização judicial, e, ao mesmo tempo, identifique como crime o ato de usar o celular, quando o juiz determina que ele não seja usado”, disse.
Além disso, o relator lembrou que o STF tem entendimento pacífico no sentido de que não configura o crime de desobediência se houver uma sanção civil prevista para o caso de a pessoa desobedecer a ordem. No caso em questão, Mendes entende que o juiz poderia simplesmente ter oficiado à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que esta apurasse a conduta e aplicasse as penalidades cabíveis.
“Neste ponto, é pertinente destacar que a advocacia é uma das funções essenciais à justiça brasileira, como estabelece a Constituição Federal em seu art. 133”, ressaltou. “A advocacia representa, portanto, um munus público, uma função que deve ser respeitada em todas as suas prerrogativas, sem relativizações injustificadas.”