Deltan: ‘Se os ministros ficarem confortáveis, logo soltarão os peixes grandes’

JOTA.Info 2021-03-01

Em 25 de abril de 2017, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento a um recurso da defesa de José Dirceu para dar seguimento a um habeas corpus, para que seu mérito fosse julgado pelo colegiado. No mesmo dia, a Turma revogou a prisão domiciliar do pecuarista José Carlos Bumlai.

As decisões desagradaram procuradores da República da força tarefa da Lava Jato de Curitiba, que discutiram, no Telegram, estratégias para reagir publicamente à decisão, e cogitaram até comparar os crimes de investigados pela operação aos do goleiro Bruno, condenado por assassinar Eliza Samudio. Para o então coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, o STF estava “preparando o terreno pra soltar geral”.

Os trechos das conversas foram apresentados ao Supremo Tribunal Federal pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no âmbito da Reclamação (RCL) 43007. Foi nesta ação que o ministro Ricardo Lewandowski determinou que Lula tivesse acesso a todo o material apreendido no âmbito da Operação Spoofing, que teve como alvo os hackers que invadiram celulares de autoridades, como o ex-juiz Sergio Moro e Dallagnol. Em 9 de fevereiro, a 2ª Turma negou recurso da Lava Jato que pedia a revogação do acesso.

Naquele mesmo dia, o procurador da República Athayde Costa disse: “[Dias] Tofoli dps do voto do relator pela prisao de Dirceu, fez uma manobra para a defesa apresentar parecer para atacar o voto do relator. Preparando a cama para soltar e pedindo ajuda a defesa com argumentos. Soltaram hj o Bumali [Bumlai]. Praticaram crimes a vida inteira….. O Bruno Goleiro praticou um crime (por mais grave que seja, mas nao menos grave que Dirceu e Bumlai) e determinaram o retorno dele a prisao….”.

O procurador da República Deltan Dallagnol, então coordenador da força tarefa, sugeriu um “brainstorming de reação ao STF”, e disse que o tribunal estava preparando terreno para “soltar geral”.

Dallagnol afirmou, segundo as mensagens juntadas no processo do STF: “1) Artigo falando de uma das prisões revogadas, como a de Genu [João Cláudio Genu, ex-assessor do Partido Progressista]? Athayde trouxe a ideia de comparar com o caso do Bruno: quem matou mais? Outro ponto é o sluppery slope. Estão preparando o terreno pra soltar geral. Onde passa boi, passa boiada. Se os ministros ficarem confortáveis, logo soltarão os peixes grandes. 2) afetar pro plenário os HCs? Não vejo como… o do EC [Eduardo Cunha] foi exceção…”.

Dallagnol disse que a força tarefa não comentava decisões do Supremo, “mas podemos abrir exceção, em especial considerando que os votos vencidos foram GM [Gilmar Mendes], DT [Dias Toffoli] e L [Lewandowski]”.

Athayde respondeu: “Bruno cometeu um so crime. Esses ai varios, inclusive qdo estavam sendo julgados pelo proprio stf. Genu e dirceu. Aquela ideia de q a corrupcao mata mais… Temos que tomar um posicionamento a respeito. Creio que comparar ao Bruno é fácil. O Genu e o Bunlai estavam esperando para serem soltos, pois as acusações são pontuais e sobre fatos antigos. Se queremos manter presos, temos que fazer diversas denúncias. De qualquer modo, temos que nos manifestar, pois o que parece o Toffoli está preparando a soltura do Dirceu”.

A comparação não foi bem aceita por todos os colegas. O procurador Januário Paludo disse que “a ideia da comparação é ótima para nós, mas o la sera muito mal digerida pela população. Matar alguém com uma arma ainda. Muito mais agressivo para o público em geral do que matar de fome”. A procuradora Laura Tessler concordou: “Acho que é um argumento um pouco complicado para a população em geral”.