Ainda se pode falar do BRICS em 2021?

JOTA.Info 2021-03-02

O início do século XXI é marcado por uma mudança no sistema econômico internacional, em que países de industrialização tardia representam uma parcela crescente do produto interno bruto mundial, maior participação das trocas comerciais e diversificação dos fluxos de investimentos internacionais. Dentre os países em desenvolvimento, desponta-se um grupo de países com forte peso econômico internacional, qualificado como países emergentes. Tais países passaram a se coordenar politicamente na medida em que seus desempenhos econômicos tornaram-se relevantes. Desde então, os emergentes exercem relevante atuação em dois fóruns no sistema financeiro internacional: o G20 e o BRICS.

O Grupo dos 20 (G20) foi criado em 1999, como consequência das crises cíclicas de países emergentes, como no México (1994), Leste Asiático (1997) e na Rússia (1998), apresentando uma estrutra de diálogo informal. A partir da crise financeira de 2008, os encontros passaram a ocorrer entre os Chefes de Estado e de Governo, na atuação de medidas concertadas de estabilidade financeira e promoção ao desenvolvimento econômico. O G20 é composto por 19 Estados e União Europeia, representando cerca de 90% do produto interno bruto mundial, 80% do comércio internacional e 2/3 da população do planeta.[2]

Por sua vez, o acrônimo BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – é um conceito criado em 2001 por Jim O’Neill, então economista-chefe do Goldman Sachs, tendo afirmado que esses quatro países juntos poderiam superar as seis maiores economias ocidentais no mundo, em um período de 30 anos[3]. Os países do BRIC iniciaram encontros formais desde 2009 e, em 2010, o grupo aprovou a entrada da África do Sul, formando o acrônimo BRICS. A sua atuação consiste na concertação de agendas sobre políticas econômicas internacionais.

Da crise financeira de 2008 à atual crise sanitária e econômica advinda da pandemia do COVID-19, uma questão permanece em aberto: ainda se pode falar do BRICS em 2021? O tema é bastante complexo para uma resposta em poucas palavras. Todavia, é possível destacar os desafios e oportunidades que esse grupo exclusivo de cinco membros propicia e que, infelizmente, o Brasil hodiernamente manifesta pouca importância. Além disso, a análise concentra-se no ponto de vista econômico das relações comerciais e de investimentos internacionais, bem como no contexto do Direito Internacional e das relações internacionais.

A China é a nação que mais se destaca do BRICS, configurando-se como grande parceira comercial dos demais quatro membros individualmente. Desde 2009 a China se constitui como o maior parceiro comercial do Brasil, ultrapassando a histórica posição dos Estados Unidos. As exportações brasileiras à China se concentram em commodities, enquanto que as importações são, em sua maioria, de produtos manufaturados, o que demonstra uma típica relação Norte-Sul (Norte industrializado e Sul agrário e extrativista).

O fórum dos BRICS, portanto, se configura como grande oportunidade de estabelecer maior cooperação no compartilhamento de tecnologia, inovação e pesquisa, incentivando a abertura de manufaturas brasileiras ao mercado chinês. Durante o ano de 2020, a China se configurou como a única das nações de grande peso econômico que obteve crescimento positivo do seu Produto Interno Bruto (PIB), no valor de 2,3%. Lado outro, espera-se uma contração do PIB dos Estados Unidos em 3,6%, da Zona do Euro em 7,4% e do PIB mundial em 4,3%[4]. O Brasil teve uma retração de 4% do PIB no mesmo ano de 2020. [5]

A Índia em 25 de janeiro de 2020 assinou com o Brasil o Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos (ACFI), que se configura como um modelo brasileiro de acordo de investimentos, com foco na promoção de investimentos e solução de conflitos por arbitragem Estado-Estado. Esse modelo configura-se como alternativa aos tradicionais acordos bilaterais de investimentos (na sigla em inglês, Bilateral Investment Agreements – BIT), de construção típica dos países historicamente exportadores de capital. O modelo tradicional de BIT também é parte de acordos de livre comércio, a exemplo do capítulo 14 do novo Acordo de Livre Comércio da América do Norte (em inglês, North American Free Trade Agreement – NAFTA), conhecido pela nova nomenclatura de United States-Mexico-Canada Agreement – USMCA Agreement.

O modelo de BIT tradicional caracteriza-se por uma desigualdade de obrigações e direitos, constituindo-se no objetivo de proteção ao investidor externo e de obrigações exclusivas ao Estado importador de capital estrangeiro.

A África do Sul configura-se como potencial parceiro ao Brasil, uma vez que ambos os países são fronteiriços, separados pelo oceano Atlântico Sul, além de exercerem o papel de liderança regional em seus respectivos continentes.

Já a Rússia, diferentemente dos demais membros emergentes, como Índia e Brasil, possui uma tradição de antiga potência global no século XIX e XX, como império e União Soviética, respectivamente, inserindo-se no grupo das nações em desenvolvimento a partir da década de 1990.

A atuação do BRICS durante as duas primeiras décadas do século XXI é reconhecida nos temas de estabilização financeira e na promoção ao desenvolvimento por meio de seus bancos de desenvolvimento, do Conselho do G20 de Estabilização Financeira, do Arranjo Contingente de Reservas (Contingent Reserve Arrangement – ACR) e, principalmente, pela atuação do Novo Banco de Desenvolvimento (New Development Bank – NDB). O NDB, conhecido como o Banco dos BRICS, é dedicado à promoção de investimentos em infraestrutura e desenvolvimento sustentável aos seus cinco membros. A criação do NDB em 2014, junto com o ACR, incrementam a disponibilidade de investimentos nos setores de infraestrutura e de energia renovável para o Brasil.

Por fim, a importância do BRICS é essencial para o Brasil no tema da tecnologia em ciências da vida. China, Índia e Rússia desenvolveram suas próprias vacinas contra o COVID-19, além de se configurarem como nações com forte desenvolvimento da indústria farmacêutica, como na produção de insumos de saúde e remédios.

A atual pandemia apresenta uma possibilidade do Brasil em estreitar o tema da pesquisa e inovação farmacêutica com os demais membros do BRICS.

Além disso, o debate contemporâneo do Direito Internacional deve priorizar o licenciamento compulsório para a produção de vacinas e insumos contra o COVID-19, nos debates da Organização Mundial do Comércio (OMC), como defendido pela Índia e África do Sul, novamente dois membros do BRICS. Nessa proposição, o Brasil absteve-se em apoiar essa iniciativa, ao contrário do ocorrido em 2003 (com o licenciamento compulsório dos medicamentos para o tratamento do HIV/AIDS).[6]

Portanto, o Brasil é membro de um grupo exclusivo de países emergentes, que apresenta crescente destaque no cenário econômico internacional. A atuação internacional  brasileira deve se pautar por uma maior representatividade dos países em desenvolvimento nos fóruns multilaterais e na construção de um Direito Internacional contemporâneo que priorize os temas de desenvolvimento social e econômico, redução das desigualdades sociais, defesa do meio ambiente e promoção da sustentabilidade.


O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:


Referências

AGÊNCIA BRASIL. Monitor do PIB sinaliza que economia teve retração de 4% em 2020. 19 de Fevereiro de 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-02/monitor-do-pib-sinaliza-que-economia-teve-retracao-4-em-2020

CHENG, Jonathan. China Is the Only Major Economy to Report Economic Growth for 2020. The Wall Street Journal. 18 de Janeiro de 2021. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/china-is-the-only-major-economy-to-report-economic-growth-for-2020-11610936187

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES – MRE. O Brasil no G20. Disponível em: www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/15586-brasil-g20

O’NEIL, Jim. Building Better Global Economic BRICs. Global Economics Paper nº 66. Goldman Sachs. 30th November 2001. Disponível em: https://www.goldmansachs.com/insights/archive/archive-pdfs/build-better-brics.pdf

REUTERS. WTO delays decision on waiver on COVID-19 drug, vaccine rights. 10 de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-health-coronavirus-wto-idUSKBN28K2WL

[2] MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES – MRE. O Brasil no G20. Disponível em: www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/15586-brasil-g20

[3] O’NEIL, Jim. Building Better Global Economic BRICs. Global Economics Paper nº 66. Goldman Sachs. 30th November 2001. Disponível em: https://www.goldmansachs.com/insights/archive/archive-pdfs/build-better-brics.pdf

[4] CHENG, Jonathan. China Is the Only Major Economy to Report Economic Growth for 2020. The Wall Street Journal. 18 de Janeiro de 2021. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/china-is-the-only-major-economy-to-report-economic-growth-for-2020-11610936187

[5] AGÊNCIA BRASIL. Monitor do PIB sinaliza que economia teve retração de 4% em 2020. 19 de Fevereiro de 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-02/monitor-do-pib-sinaliza-que-economia-teve-retracao-4-em-2020

[6] REUTERS. WTO delays decision on waiver on COVID-19 drug, vaccine rights. 10 de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-health-coronavirus-wto-idUSKBN28K2WL