Desafios atuais não devem ofuscar histórico harmonioso entre instituições de controle

JOTA.Info 2021-04-19

Em 30 de março de 2021, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu Mandados de Segurança impetrados por 4 construtoras para suspender atos do Tribunal de Contas da União (TCU) que as declararam inidôneas em razão de fraudes licitatórias, tendo em vista acordos de leniência celebrados, inclusive com a Controladoria Geral da União (CGU), responsável pela celebração desses acordos no âmbito do Poder Executivo Federal (Lei 12.846/2013, Lei Anticorrupção ou LAC).

A Controladoria, órgão central do Sistema de Controle Interno, do Sistema de Correição e do Sistema de Ouvidoria, foi criada pela Lei 10.683/2003. O TCU, por sua vez, foi criado em 1890 pelo Decreto nº 966-A e é uma entidade fiscalizadora superior (EFS), com atribuições constitucionais, cuja lei orgânica atual é a Lei 8.443/1992 (LOTCU).

O art. 50 da LOTCU dispõe que os órgãos integrantes do sistema de controle interno deverão exercer determinadas atividades para apoiar o controle externo, em sintonia com o inciso IV do art. 74 da Constituição Federal de 1988.

A bem da verdade e considerando as competências do órgão central do Sistema de Controle Interno, um dos objetivos estratégicos da Corte de Contas Federal é induzir o aperfeiçoamento da gestão de riscos e controles internos na administração pública federal[1]:

“Assegurar o correto funcionamento dos controles internos da Administração Pública Federal, de modo a minimizar as chances de ocorrerem fraudes, desperdícios e desencontros e outras formas de não cumprimento de políticas e programas governamentais, é essencial na busca da eficiência, eficácia, economicidade, transparência e efetividade da atuação da Administração Pública” (grifos acrescidos).

A Instrução Normativa Conjunta MP/CGU nº 1/2016, que dispõe sobre controles internos, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo Federal, é um exemplo digno de nota da atuação do TCU por meio dos Acórdãos 2.467/2013 e 1.273/2015, ambos do Plenário, em conjunto com a materialização do normativo pela CGU.

As duas instituições também têm celebrado instrumentos[2] de cooperação técnica para prevenir desvios, agilizar a apuração de danos, fortalecer os mecanismos de controle interno e combater a corrupção, ou seja, cooperam continuamente conforme suas atribuições. O TCU, inclusive, aderiu ao Programa de Fortalecimento de Corregedorias da CGU.

Em relação ao acordo de leniência da Lei 12.846/2013, a Corte de Contas aprovou a proposta de Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com a CGU, a Advocacia Geral da União (AGU) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, “a fim proporcionar atuação harmônica e convergente das instituições envolvidas” (Ata de sessões nº 29/2020).

No voto do Acórdão 563/2021-Plenário, o TCU reforçou que as diversas instâncias de controle devem atuar pela unidade do sistema de combate aos ilícitos e, nos eventuais espaços de sobreposição, cooperar entre si para maximizar a eficácia da defesa dos referidos bens jurídicos, sob a ótica do Estado como um todo.

Além disso, o ministro Gilmar Mendes, no aditamento[3] ao seu voto referente aos Mandados de Segurança do STF supracitados, explicitou a relevância desse novo panorama:

O ACT traz notáveis avanços no regime de cooperação ao prever o procedimento de cumprimento dessa obrigação entre as entidades envolvidas na aplicação da LAC e as salvaguardas necessárias para a preservação do sigilo das informações compartilhadas.” (grifos acrescidos)

Na prática, os desafios de atuação coordenada das instituições de controle sempre existiram e continuarão existindo.

Por exemplo, não se deve perder de vista a existência de ponderações acadêmicas[4] sobre a atuação da CGU ao assinar os acordos de leniência, quanto (i) à possível falta de informações novas em relação às entregues pelas colaboradoras ao Ministério Público Federal (MPF) e (ii) ao sigilo dos anexos dos acordos ou dos trechos tarjados que poderiam revelar à sociedade outros detalhes importantes.

Sobre o segundo ponto, a transparência, a publicidade e o sigilo foram tratados pelo ACT[5] em seu décimo primeiro princípio:

Décimo primeiro princípio: da transparência e publicidade dos acordos de leniência firmados, e seus anexos, e do respectivo cumprimento das obrigações ali assumidas, ressalvadas as informações e documentos protegidos por sigilo legal, enquanto perdurar a condição ensejadora da respectiva hipótese de sigilo, a fim de se garantir a devida prestação de contas à sociedade”.

O Acórdão TCU 12.161/2020-1ª Câmara, referente à prestação de contas do exercício de 2018, também demandou àquela Controladoria a publicidade dos anexos dos acordos de leniência firmados, dos cronogramas e das formas de pagamento acordadas, e a situação de adimplência ou inadimplência das parcelas das colaboradoras.

Outra questão refere-se ao recente veto do parágrafo único do art. 159 da nova lei de licitações (Lei 14.133, de 1º/4/2021), que parece limitar a atuação do Tribunal de Contas competente[6]:

Entretanto, e em que pese o mérito da propositura, a medida, ao prever a participação de órgão auxiliar do Poder Legislativo na aplicação de instrumento típico do exercício do Poder Sancionador da Administração Pública, viola o princípio da separação dos poderes, inscrito no art. 2º da Constituição da República.

Ademais, a extensão dos efeitos promovidos pelo acordo de leniência de que trata a Lei nº 12.846, de 2013 se inserem dentro da função típica da Administração Pública e não se confundem com a atividade de fiscalização contábil, financeira e orçamentária exercidas pelo Poder Legislativo, o que acaba por extrapolar as competências conferidas pelo constituinte, por intermédio do art. 71 da Carta Magna.

Outrossim, a medida contraria o interesse público, ao condicionar a assinatura do acordo de leniência à participação do Tribunal de Contas respectivo, ainda que restrito às suas sanções, criando uma nova etapa no procedimento, o que poderia levar a um enfraquecimento do instituto.” (grifos acrescidos)

Diante disso e apesar de um contexto de relevantes debates acadêmicos, jurídicos e legislativos, os desafios decorrentes de eventuais espaços de sobreposição e de relacionamento interinstitucional não devem ofuscar os esforços históricos do TCU e da CGU para uma atuação harmônica da rede de controle brasileira no combate à corrupção.

 

** Eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU.


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[1] Planejamento estratégico do TCU, disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/plano-estrategico-2019-2025.htm>, p. 55)

[2] Alguns acordos podem ser confirmados nos seguintes endereços eletrônicos: <https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-e-cgu-firmam-acordo-de-cooperacao-tecnica-para-o-combate-a-corrupcao.htm>, <https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-adere-a-programa-da-cgu-para-o-fortalecimento-nacional-de-corregedorias.htm>, <https://repositorio.cgu.gov.br/handle/1/46041>.

[3] Aditamento ao voto disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/tcu-nao-declarar-inidoneidade-empresa.pdf>.

[4] “A construção dos acordos de leniência da lei anticorrupção”. Autora: Raquel de Mattos Pimenta. Disponível em: <https://openaccess.blucher.com.br/download-pdf/477>, p. 130, 140 e 141). Vale ressaltar também uma publicação da autora no JOTA: <https://www.jota.info/stf/supra/para-controlar-acordos-de-leniencia-e-preciso-mais-do-que-bons-principios-11082020>.

[5] ACT disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/cooperacao-tecnica-define-protocolo-para-compartilhamento-de-informacoes-nos-acordos-de-leniencia.htm>.

[6] A mensagem de veto nº 118/2021 está disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Msg/VEP/VEP-118.htm>.