Por que precisamos de mais mulheres na Academia?

JOTA.Info 2021-04-19

As mulheres que atualmente compõem o corpo docente nos cursos de Direito fazem parte de gerações que sofreram e sofrem com estereótipos de gênero e as mais variadas formas de violência no ambiente acadêmico, no âmbito de dinâmicas socioculturais até pouco tempo invisíveis e, por isso, pouco debatidas.

Embora possam ser consideradas à primeira vista como vitoriosas e bem sucedidas, essas docentes na verdade alcançaram as respectivas posições apesar do sistema. A par das dificuldades individuais vivenciadas na trajetória acadêmica, é fundamental refletir, sob uma perspectiva mais abrangente, sobre os problemas do Direito como um território ainda masculino e, assim, sobre a importância da equidade de gênero na docência e pesquisa.

Se historicamente o ingresso feminino no corpo discente das faculdades de Direito cresceu a ponto de hoje corresponder à metade do alunado, o mesmo não se verifica na composição docente, predominantemente masculina, branca, heterossexual, pertencente a classes sociais privilegiadas e ainda apoiada no ideário da neutralidade do conhecimento, construído sob base eurocêntrica.[1]

Tomando-se a Faculdade de Direito da USP como exemplo paradigmático, atualmente apenas 17% do corpo docente é formado por mulheres e, tratando do nível mais alto da carreira, tal percentual cai para 11%.

A constatação das desigualdades de gênero na Academia, (re)produzidas em grande medida no campo simbólico (aquilo que se pensa sobre o que homens e mulheres são, devem e podem fazer em suas vidas profissionais e familiares)[2] desconstrói o mito da meritocracia e revela a existência de uma barreira não apenas ao ingresso e à ascensão das mulheres, como também ao simples pertencimento ao espaço acadêmico.[3]

Como reflexo desse quadro de invisibilização de gênero e de naturalização do masculino, tem-se o enfraquecimento da pluralidade e, assim, da própria essência da Universidade, como discutido na pesquisa realizada pelo Grupo de Pesquisas e Estudos de Inclusão na Academia da USP – GPEIA)[4].

Para além dos muros da Academia, a inequidade de gênero afeta diretamente as formas de produção e de aplicação do Direito, cristalizando-se em uma hegemonia discursiva que normaliza e reforça a cultura patriarcal e machista presente na sociedade.

Justamente por isso, verifica-se ainda hoje no Direito brasileiro não apenas a reprodução, como também a construção de estereótipos de gênero que acabam por negar os direitos das mulheres, tornando-as mais vulneráveis à violência.[5]

A fim de que o Direito possa servir como instrumento para promover equidade de gênero, é necessário que os espaços acadêmicos sejam ocupados por diferentes visões, permitindo uma construção democrática.

E é justamente nas pesquisas sobre mulheres, relações de gênero e violência que se encontram, a partir da década de 1970, os contornos da crítica feminista ao Direito, o que só é possível graças ao trabalho de mulheres que resistem às dificuldades do ambiente acadêmico para promover uma reflexão crítica sobre o saber jurídico.

Equidade de gênero só se conquista com a promoção de uma educação de gênero, especialmente relevante no contexto das faculdades de Direito, responsáveis pela formação de profissionais que assumirão posições-chave na escala de poder e tomada de decisão.

Nesse cenário, a maior representatividade feminina é fundamental, no sentido de garantir uma reflexão verdadeira.  Em uma sociedade estruturalmente machista, é papel da Universidade mostrar que as relações podem e devem ser diferentes, formando alunas(os) para uma experiência mais plural sobre as profissões que irão exercer.

A maior missão docente é conduzir a um caminho de constante reflexão, permitindo não só conhecer a realidade, mas também elaborar mecanismos para superar estereótipos e preconceitos.


new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm(); setTimeout(function(){ const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n") const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knhwxg2c") btn.disabled = true; btn.style.opacity = 0.7; check.addEventListener("click", function() { if (check.checked){ btn.disabled = false; btn.style.opacity = 1; } else { btn.disabled = true; btn.style.opacity = 0.7; } });}, 3000);


[1] Sobre o tema, v. BONELLI, Maria da Gloria. Docência do direito: fragmentação institucional, gênero e interseccionalidade. Cadernos de Pesquisa. 2017, vol. 47, n. 163, p. 94 e ss.

[2] Nesse sentido, v. Moschkovich, Marília. Teto de vidro ou paredes de fogo? Um estudo sobre gênero na carreira acadêmica e o caso da UNICAMP. Dissertação de Mestrado (Unicamp), p. 111-112.

[3] Nesse sentido, CAMPOS, Isabelle Oglouyan de. Mulheres na Academia: Desigualdades de Gênero no Corpo Docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Tese de láurea. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2019, p. 22.

[4] NEDER CEREZETTI et al. Interações de gênero nas salas de aula da Faculdade de Direito da USP: um currículo oculto?, São Paulo, Cátedra UNESCO de Direito à Educação/Universidade de São Paulo (USP), 2019, disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000367420.locale=en>.

[5] Tratando dos estereótipos de gênero nos crimes sexuais, v. PIMENTEL, Silvia; SCHRITZMEYER, Ana Lúcia P.; PANDJIARJIAN, Valéria. Estupro: crime ou “cortesia”? Abordagem sociojurídica de gênero. Porto Alegre: Fabris, 1998.