A quem interessa um Rol da ANS exemplificativo?

JOTA.Info 2021-04-29

Na última quarta-feira (28/05) estava previsto um importante julgamento para os atores da saúde suplementar no Brasil: beneficiários, operadoras e prestadores de serviços de saúde. Afinal, mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiria sobre o caráter do Rol de Coberturas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), se este é taxativo – e estabelece as coberturas mínimas obrigatórias, ou exemplificativo – e traz coberturas obrigatórias, porém sem limitação ao que nele consta.

Embora decisões anteriores tenham considerado o Rol exemplificativo, em abril de 2020 a Quarta Turma do STJ[1] entendeu que o Rol seria taxativo, seguindo o que consta na legislação específica que trata do tema, em especial o § 4° do artigo 10 da Lei 9.656/98, segundo o qual, “a amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS”.

A própria ANS, que sempre tratou o Rol como taxativo (inclusive ao fiscalizar e aplicar multas nas operadoras), passou a indicar este entendimento de forma expressa no lançamento da última atualização do Rol, vigente desde abril de 2021 (Resolução Normativa ANS n° 465/2021). Enquanto nas resoluções de atualização do Rol anteriores o artigo 2º mencionava que “as operadoras de planos de assistência à saúde poderão oferecer cobertura maior do que a mínima obrigatória prevista nesta RN e em seus Anexo” – o que já indica ser taxativo, na versão de 2021 o artigo 2° dispõe que “para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto nesta RN e seus anexos”.

Assim como nas atualizações anteriores do Rol – o qual é lançado de dois em dois anos, diversos novos tratamentos foram incluídos na cobertura mínima obrigatória, a partir de estudos e dados clínicos, além da participação da população (consulta pública) e reuniões com setores da saúde.

A defesa por um Rol meramente exemplificativo, por sua vez, pauta-se essencialmente nos argumentos de que: (1) o consumidor paga o plano e quando necessitar, pode não ter a cobertura; (2) o período entre as atualizações do Rol é extenso e pode impedir que pessoas tenham coberto procedimento já reconhecido pela classe médica, porém ainda não incluso no Rol pela ANS; e (3) o Rol como taxativo colaboraria com o enriquecimento das operadoras de planos de saúde.

O primeiro argumento, de cunho apelativo, pressupõe que caso a operadora negue o procedimento por não estar no Rol, o consumidor que paga mensalidades ficaria desassistido e poderia, inclusive, vir a falecer. Porém, tal argumento desconsidera que o plano de saúde tem caráter suplementar, ou seja, todo brasileiro conta primariamente com o Sistema Único de Saúde (SUS), universal e gratuito, o que afasta qualquer risco de desassistência. Além disso, tanto a ANS quanto o poder legislativo incluem procedimentos no Rol (ou legislação) mesmo fora do período de atualização do Rol, vide o exame para detecção de Covid-10 (PCR, incluído no Rol fora do período normal de atualização, em março de 2020) e o procedimento de reconstrução de mama (incluído pela Lei nº 13.770, de 2018), dentre outros inúmeros exemplos.

Quanto ao último argumento, este simplesmente pressupõe que obter lucro é ilícito, o que não se pode admitir. Infelizmente, há no Brasil uma recorrente tentativa de criminalização do lucro lícito e de realização de políticas de distribuição de renda com verbas privadas, o que não se justifica.

O resultado de um Rol meramente exemplificativo é, basicamente, um cheque em branco pró-consumidor (e profissionais de saúde mal-intencionados) frente às operadoras de planos de saúde. E este será, certamente, um fator relevante para a precificação dos planos e cálculo de reajustes, os quais têm impactado de forma cada vez mais acentuada no bolso dos beneficiários – e principalmente no número de beneficiários de planos de saúde.

Para se ter uma ideia, de dezembro de 2014 para dezembro de 2018, mais de 3,4 milhões de brasileiros deixaram de ser beneficiários de planos de saúde[2]. Neste mesmo quinquênio, curiosamente, houve o maior percentual médio no índice de reajuste aplicado aos planos de saúde (12,06%)[3]. Portanto, estabelecer uma contrapartida ilimitada em favor do contratante de plano de saúde, embora pareça um trunfo em prol da saúde dos consumidores, interessa somente para poucos, eis que o aumento na despesa impactará no custo e consequentemente no preço e nos reajustes, dificultando o acesso e excluindo muitos outros cidadãos do acesso a planos de saúde.

Enquanto apenas alguns consumidores que recebem indicação de tratamento não previsto no Rol (e que podem discutir seu caso de forma específica no judiciário) não teriam mais este problema com o Rol meramente exemplificativo, milhões de outros beneficiários deixariam de ter plano de saúde por não ter mais condições de arcar com o custo.

E o Sistema Único de Saúde, como sabemos, possui suas limitações, sobretudo se falarmos no acolhimento de milhões, ao invés de alguns casos específicos cuja cobertura fuja do alcance do Rol.

Neste contexto, é importante que se afaste, definitivamente, a ideia de um Rol da ANS meramente exemplificativo e se reconheça também no âmbito do judiciário a sua taxatividade, o que não apenas causará segurança jurídica aos envolvidos e impedirá uma debandada ainda maior dos beneficiários de planos de saúde, como reduzirá drasticamente a judicialização da saúde, já que no ano de 2019 mais de 2,2 milhões de ações judiciais em matéria de saúde foram registradas[4], enquanto já no ano de 2016, houve um impacto de 1,3 bilhões de reais nos cofres públicos em face da aludida judicialização[5].

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[2] Agência Nacional de Saúde Suplementar – Disponível em: <https://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-gerais> Acesso em 27/04/2021.

[3] BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-operadoras/espaco-do-consumidor/reajuste-variacao-de-mensalidade/reajuste-anual-de-planos-individuais-familiares/historico-de-reajuste-por-variacao-de-custo-pessoa-fisica> Acesso em 27/04/2021.

[4] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2019: ano-base 2018. Disponível em <https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT>  Acesso em 27/04/2021.

[5] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Judicialização da saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. 2019.