Os limites do juiz-presidente na produção probatória no âmbito do Tribunal do Júri

JOTA.Info 2021-05-27

No dia 6 de abril de 2021, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o juiz não pode ser protagonista na inquirição de testemunhas em um processo penal e anulou todos os atos processuais a partir da audiência. Essa decisão foi tomada a partir da decisão colegiada no HC 187.035.

Segundo entendeu a maioria dos ministros, o magistrado que inicia a inquirição, ao invés de passar a palavra ao Ministério Público e defesa, viola frontalmente o art. 212 do Código de Processo Penal. Isso porque, a norma processual é clara ao determinar que as perguntas serão formuladas pelas partes e sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.[1] O conteúdo desse dispositivo foi proveniente de uma alteração considerada progressista e que se inclinou para a construção de um sistema acusatório conhecido como cross examination. Na redação antiga, antes do advento da Lei nº 11.690/2008, as perguntas eram dirigidas ao Juiz, que a transmitia para a vítima, testemunha e acusado. Nesse cenário, o que predominava era o sistema presidencialista.

A mensagem que essa alteração processual buscou apresentar foi de que o Magistrado tão somente preside o ato, controlando para que as provas sejam produzidas dentro dos limites legais. Conforme entendimento de Aury Lopes Júnior, jamais se disse que o juiz não poderia fazer perguntas na audiência, apenas de que lhe cabe dirimir os pontos não esclarecidos.[2]

Essa nova redação também passou a permitir que as partes possam explorar com liberdade sua estratégia processual. A opção por uma pergunta ao invés de outra é uma prerrogativa garantida igualmente à acusação e defesa e é capaz de permitir que a verdade processual seja construída.

Aceitar que o Magistrado inicie a inquirição e possa, consequentemente, esgotar as perguntas possíveis é conceder completa iniciativa probatória a quem, por lei, não interessa condenar ou absolver. Ao Magistrado é reservada a condição processual de controlador da legalidade dos atos e destinatário do material probatório arrecadado. O Juiz que busca angariar provas não está em sintonia com o sistema acusatório.

A situação de iniciativa probatória é grave quando se trata de rito comum, onde o juiz precisa fundamentar sua decisão na sentença. Todavia, é ainda mais grave no rito do Tribunal do Júri, onde o destinatário da prova sequer é ele, mas a sociedade, representada no ato por sete jurados.

No Plenário do Tribunal do Júri, é extremante delicado e prejudicial, tanto à acusação quanto à defesa, o protagonismo do Magistrado Togado. Considerando que os jurados decidem com a íntima convicção, não é possível saber se a condenação/absolvição se deu pelo desempenho acusatório/defensivo ou pela postura ativa do Juiz Presidente.

Em uma Sessão de Julgamento, onde todos os detalhes são vistos e sentidos pelos jurados, apenas um ato de predileção condenatória ou absolutória do Magistrado é capaz ter peso no resultado do julgamento. Exemplo disso seria um jurado que tem dúvida quanto a culpa do acusado.

Ao invés de seguir os ditames da justiça e decidir pela absolvição, opta por votar conforme a percepção transmitida pelo Magistrado e se vale da postura do Juiz como muleta para inserir seu voto na urna. No caso de ter sido transmitido o sentimento de que réu é culpado, o Julgador tenderá a segui-la como se fosse uma “terceira parte” postulatória.

Neste caso, o princípio pas de nullité sans grief, aquele que diz que não há nulidade sem prejuízo, deve ser vencido. Demonstrado que houve condenação no julgamento em que o Juiz esgotou todas as perguntas possíveis, não deixando a defesa conduzir a inquirição com perguntas por ela elaboradas, é nítido o prejuízo. Essa iniciativa probatória, conduz a ideia de que a acusação possuiu uma “ajuda”, já que para a condenação exige provas enquanto para absolvição não.

Para além da limitação do Juiz Presidente no Plenário do Júri de não buscar arrecadar provas orais, entende-se também pela total inadmissibilidade de o Juiz Togado fazer qualquer pergunta. Isso porque, as provas no rito do Júri são direcionadas aos membros do Conselho de Sentença. Inclusive, aos Jurados é assegurado o direito de formular questionamentos ao ofendido, às testemunhas e ao acusado, por intermédio do Juiz Presidente, conforme art. 473, §2, do Código de Processo Penal.[3]

Por qual razão deveria o Presidente da Sessão de Julgamento, que não possui poder decisório e não lhe interessa juridicamente o confronto das provas, dirimir pontos que considera incompreendidos, em um cenário que cabe ao Jurado tomar decisão? Cabe ao cidadão, nos termos do §2, do art. 473, formular perguntas sobre os pontos que possui dúvida.

Ainda nessa mesma linha, vale mencionar também a iniciativa do Juiz que determina, de ofício, a transmissão de vídeos presentes no processo, compreendidos imagens de câmeras de segurança, depoimentos e similares são partes de um acervo probatório presente nos autos. Isso demonstra que não é permitido ao Juiz, sem requerimento das partes, explorar, como entender pertinente, os elementos probatórios anexados nos autos.

Novamente, vale ressaltar que não cabe a ele desrespeitar a estratégia processual das partes de escolher como entender melhor apresentar as provas aos jurados. Essa opção cabe as partes juridicamente interessadas de forma que a proatividade magistral na exposição do material pode determinar os rumos do julgamento.

Assim, entende-se, na mesma linha que a 1ª Turma do STF, que não deve o Juiz iniciar a inquirição no curso de uma audiência por violação ao sistema acusatório brasileiro e desrespeito a estratégia processual das partes. Seguindo essa linha, no âmbito do Tribunal do Júri, não cabe ao Juiz Presidente determinar, de ofício, a apresentação de provas aos jurados, mesma razão. Por fim, entende-se não ser cabível a formulação de perguntas pelo Juiz Togado no Júri, nem mesmo para dirimir dúvidas, haja vista ser os jurados os destinatários do material e detentores dessa prerrogativa.

O caminho para um sistema acusatório puro é árduo. Encontra resistência de autoridades conservadoras e com inclinação punitivista. Mas através de debates de ideias, construções doutrinárias e constante aprimoramento, será possível chegar ao modelo desejável de sistema jurídico.


new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm(); setTimeout(function(){ const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n") const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knhwxg2c") btn.disabled = true; btn.style.opacity = 0.7; check.addEventListener("click", function() { if (check.checked){ btn.disabled = false; btn.style.opacity = 1; } else { btn.disabled = true; btn.style.opacity = 0.7; } });}, 3000); [1] Art. 212.  As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único.  Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

[2] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. São Paulo: Editora Saraiva. Edição do Kindle. Todavia, conforme será visto, essa prerrogativa de inquirir, ainda que ao final, não deve ser permitida ao Magistrado que preside sessão do Tribunal do Júri.

[3] Art. 473. (…) § 2o Os jurados poderão formular perguntas ao ofendido e às testemunhas, por intermédio do juiz presidente. Acrescido pela mesma Lei mencionada, a nº 11.689/2008.