STF julgará com repercussão geral penalização mais ampla do trabalho escravo

JOTA.Info 2021-06-23

Já tem o mínimo de quatro votos suficientes para julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), com repercussão geral para todas as instâncias, recurso extraordinário com base no qual a Corte deve a deixar claro que, para a configuração do crime de trabalho escravo (artigo 149 do Código Penal), não é necessário provar “a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção”. Basta “a submissão da vítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva ou a condições degradantes de trabalho, condutas alternativas previstas no tipo penal”.

A proposta do ministro-relator do RE 1.323.708, o atual presidente da Corte, Luiz Fux, já foi acompanhada pelos colegas Edson Fachin, Rosa Weber e Alexandre de Moraes.

O recurso em questão foi ajuizado pelo Ministério Público Federal (MPF) contra acórdão de turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região referente à fiscalização, no interior do Pará, de três fazendas de um mesmo proprietário, em que se provou terem sido aliciados 52 trabalhadores “para executar serviços rurais em condições de trabalho degradante”.

O colegiado reconheceu então que alojamentos precários, ausência de instalações sanitárias, consumo e uso de água de rio, e endividamento dos trabalhadores afrontavam dispositivos constitucionais. Mas que “por fazerem parte da realidade rústica brasileira, tais circunstâncias não seriam suficientes a ponto de ensejar punição penal”.

Na sua manifestação para que o caso seja julgado pelo STF com a fixação de tese de repercussão geral, o ministro Luiz Fux argumenta:

– “Se a violação aos direitos do trabalho é intensa e persistente, se atinge níveis gritantes e se os trabalhadores são submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas ou a condições degradantes de trabalho, é possível, em tese, o enquadramento no crime do art. 149 do Código Penal, pois os trabalhadores estão recebendo o tratamento análogo ao de escravos, sendo privados de sua liberdade e de sua dignidade”.

– “A escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno.

A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa reduzir alguém a condição análoga à de escravo”.

– “Quase 132 anos após a abolição da escravatura no Brasil, situações análogas ao trabalho escravo ainda são registradas. Somente o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem hoje 1,7 mil procedimentos de investigação dessa prática e de aliciamento e tráfico de trabalhadores em andamento.

Segundo dados do Radar da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, em 111 dos 267 estabelecimentos fiscalizados em 2019, houve a caracterização da existência dessa prática com 1.054 pessoas resgatadas em situações desse tipo. O levantamento apresentado hoje (28) aponta ainda que, no ano passado, o número de denúncias aumentou, totalizando 1.213 em todo o país, enquanto em 2018 foram 1.127”.