Compensação e retificação previdenciária no contexto do eSocial

JOTA.Info 2021-08-10

A compensação é uma modalidade de extinção do crédito tributário amplamente difundida e utilizada no Brasil. Quando a empresa tem valores a receber do Fisco e também tem créditos a serem exigidos, realiza-se o chamado encontro de contas, abatendo-se dos créditos os valores devidos. Isto é, sendo o contribuinte e o Fisco credor e devedor mútuos, a compensação poderia extinguir a obrigação até o seu limite.

A compensação envolvendo Contribuições Previdenciárias tem regramento próprio, específico e distinto dos demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), especialmente no que concerne ao adimplemento de obrigações acessórias.

Em meados de 2018, o Sistema de Escrituração Fiscal Digital das Obrigações Fiscais Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial) foi implementado na grande maioria das empresas no Brasil, com relevantes alterações na legislação relativa ao cumprimento de obrigações acessórias previdenciárias.

Uma delas foi a criação da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais Previdenciários e de Outras Entidades e Fundos (DCTFWeb) em substituição à Guia de Recolhimento de FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP), como instrumento de confissão de dívida e de constituição dos débitos previdenciários.

Antes da implementação da DCTFWeb, quando a GFIP ainda era o instrumento utilizado para compensação de débitos e créditos previdenciários, a RFB exigia a retificação destas obrigações acessórias como condição fundamental para a homologar a compensação[1].

A retificação da GFIP, portanto, era medida necessária bastante conhecida pelas empresas com créditos de Contribuições Previdenciárias a serem recuperados. A ideia era de que a empresa deveria retificar as guias originais, reduzindo o valor total declarado à época, possibilitando ao Fisco uma melhor identificação da origem do crédito.

A RFB deixaria de validar o crédito caso identificasse que as GFIP não foram retificadas antes da compensação administrativa, argumentando que não foi obedecido o procedimento correto. Muitas vezes, inclusive, a glosa da compensação era acompanhada de multa qualificada de 150%, alegando a existência de fraude nas declarações, com base no artigo 89, § 10 da Lei 8.212/1991[2].

No entanto, a jurisprudência do Carf é pacífica no sentido de que essa multa de 150% somente seria aplicável quando devidamente comprovada a conduta dolosa na falsidade da declaração[3].

Com a publicação da Lei nº 13.670/2018, houve uma considerável mudança na esfera previdenciária no que concerne a compensação. Ao revogar o artigo 26[4] da Lei nº 11.457/2007 e incluir o artigo 26-A[5] no mesmo diploma legal, a legislação tributária passou a reconhecer a extensão das disposições do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 para a totalidade dos tributos administrados pela Receita Federal, inclusive as Contribuições Previdenciárias.

Em julho de 2018, a Instrução Normativa nº 1.810/2018 alterou a Instrução Normativa nº 1.717/2017 para, dentre outras alterações, introduzir as novas regras para contribuições previdenciárias aplicáveis a empresas que utilizam eSocial para apuração das contribuições sociais e, consequentemente, utilize a DCTF Web para informar os débitos previdenciários.

Assim, atualmente, as informações relativas à apuração das contribuições previdenciárias são prestadas pelo eSocial e os valores devidos a título dos citados tributos são declarados por meio da DCTFWeb.

Nesse sentido, a Instrução Normativa RFB nº 2.005/2021 determina que, quando identifica a necessidade de alteração das informações prestadas através das citadas obrigações acessórias, a empresa deve apresentar arquivos retificadores com os ajustes pertinentes.

Acontece que, para a retificação dos valores declarados através da DCTFWeb, se faz necessária a prévia retificação dos arquivos do eSocial e dos arquivos de folha de pagamentos, de modo que, caso o contribuinte apure pagamento indevido ou a maior de contribuições previdenciárias em revisão de suas apurações, deve promover a retificação ampla de todas as obrigações acessórias.

Na teoria, a realização de compensação de créditos previdenciários depende da prévia retificação das obrigações acessórias. Do contrário, a empresa incorre em riscos decorrentes do mencionado entendimento adotado pela RFB, sendo possível a não homologação da compensação, inclusive de forma automática.

Na prática, a situação é bastante complicada. Em muitos casos, por travas no sistema do eSocial ou da DCTFWeb, ou mesmo por impossibilidade de reprocessar todas as obrigações de folha de pagamento, mostra-se praticamente impossível retificar todas obrigações acessórias.

Nestes casos, até que a RFB regulamente os provimentos necessários para a correta recuperação dos créditos na esfera aministrativa a partir de julho de 2018 (o que ainda não foi feito), os contribuintes não poderão ser penalizados por um problema procedimental dos sistemas da Receita Federal.

Sobre o tema, o próprio Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) – Acórdão nº 9202-003.930 – já se manifestou entendendo que a ausência de retificação da GFIP não enseja a invalidação da compensação, podendo resultar tão somente em multa por descumprimento de obrigação acessória.

Também vale destacar o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Recurso Especial nº 1.501.140, ao considerar que a imposição de retificação da GFIP não está prevista em lei, mas apenas em instrumentos normativos secundários.

Diante desse cenário, caso as obrigações acessórias não tenham sido retificadas, mas as empresas tenham toda a documentação suporte para comprovar a origem do crédito, entendemos que os contribuintes, como uma das alternativas, poderiam acionar o Poder Judiciário buscando impedir que a Receita Federal glose os créditos de Contribuições Previdenciárias por conta do suposto descumprimento de um único requisito formal, sem a prévia análise do mérito em discussão (origem do crédito previdenciário).

new RDStationForms('teste3-99b6e4ed7825b47581be', 'UA-53687336-1').createForm(); setTimeout(function(){ const btn = document.getElementById("rd-button-knf3ol7n") const check = document.getElementById("rd-checkbox_field-knj7ibbg") btn.disabled = true; btn.style.opacity = 0.7; check.addEventListener("click", function() { if (check.checked){ btn.disabled = false; btn.style.opacity = 1; } else { btn.disabled = true; btn.style.opacity = 0.7; } });}, 3000);


[1] Solução de Consulta SRRF10-Disit nº 10.011-2020, 03.8.2020; Solução de Consulta COSIT n° 77/2018; Solução de Consulta COSIT nº 132/2016 e Solução de Consulta SRF nº 43/2011

[2]Art. 89.  (…)

§ 10.  Na hipótese de compensação indevida, quando se comprove falsidade da declaração apresentada pelo sujeito passivo, o contribuinte estará sujeito à multa isolada aplicada no percentual previsto no inciso I do caput do art. 44 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, aplicado em dobro, e terá como base de cálculo o valor total do débito indevidamente compensado.

Art. 44.  Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:

I – de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; (…)

[3] Nesse sentido, confira-se os Acórdão do Carf nº 2401­006.130 e 2402­007.210, sessão de 9 de abril de 2019.

[4] Art. 26. O valor correspondente à compensação de débitos relativos às contribuições de que trata o art. 2º desta Lei será repassado ao Fundo do Regime Geral de Previdência Social no máximo 2 (dois) dias úteis após a data em que ela for promovida de ofício ou em que for deferido o respectivo requerimento.

Parágrafo único. O disposto no art. 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não se aplica às contribuições sociais a que se refere o art. 2º desta lei.

[5]Art. 26-A.  O disposto no art. 74 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996:

I – aplica-se à compensação das contribuições a que se referem os arts. 2º e 3º desta Lei efetuada pela sujeito passivo que utilizar o Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial), para apuração das referidas contribuições, observado o disposto no § 1º deste artigo;