Controle de contas e chamamento público para seleção de OS

JOTA.Info 2022-01-12

Recentemente, esta coluna destacou que o Tribunal de Contas da União (TCU), ao exigir de gestores públicos o cumprimento de regras não previstas na legislação, coloca em dúvida o valor da lei para a higidez dos atos da administração. Pesquisa que acaba de ser concluída revela fenômeno correlato no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo [1]. Há indícios de que o TCE-SP tem analisado editais de chamamento público para a seleção de organizações sociais (OS) como se fossem editais de licitação. Assim, estaria aproximando indevidamente institutos distintos.

A OS é figura criada pela Lei 9.637/98, com o intuito de apoiar o Estado em ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, meio ambiente, cultura e saúde. A lei dispôs que pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, poderiam ser qualificadas como OS e celebrar contratos de gestão com o poder público. O vínculo permite o repasse de recursos, condicionado à observância de plano de trabalho, alcance de metas e indicadores de produtividade etc.

A lei não prevê procedimento específico para a seleção de OS. Não há dever de licitar. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a celebração de contrato de gestão não seria precedida de certame, mas de procedimento “público impessoal e pautado por critérios objetivos, por força da incidência direta dos princípios constitucionais (…)” (ADI 1.923).

Certos estados e municípios que editaram leis sobre OS condicionaram a celebração desse tipo de vínculo à realização de chamamento público — procedimento que permite comparar propostas, mas não se confunde com licitação. A Lei Complementar 846/98, por exemplo, dispensou no estado de São Paulo a licitação para a celebração de contratos de gestão (artigo 6º, §1º), mas exigiu a prévia “convocação pública das organizações sociais” para que todas as interessadas pudessem se apresentar (artigo 6º, §3º).

Contudo, levantamento de decisões em exame prévio de editais para a escolha de OS na área de saúde indica que o TCE-SP frequentemente se utiliza da Lei 8.666/93 como parâmetro para aferir a regularidade de chamamentos.

Com fundamento na Lei de Licitações, o TCE-SP determinou, por exemplo, a revisão de critérios de pontuação de propostas técnicas, índices contábeis, prazos para entrega das propostas e pedidos de esclarecimento, exclusão de requisitos de habilitação etc. Houve a suspensão do edital em 61 dos 64 casos pesquisados.

A pesquisa detectou três fases da jurisprudência do TCE-SP.

Na primeira (de 2012 a 2015), a Lei 8.666 foi tomada como parâmetro imediato, e praticamente exclusivo, para a análise de editais de chamamento (por exemplo, TC 874.989.12-2).

Na segunda, circunscrita a momento imediatamente posterior ao julgamento da ADI 1.923, editais de chamamento foram lidos a partir da legislação própria, regente das OS, e não da Lei 8.666 (por exemplo, TC 7236.989.15-8).

No terceiro – de 2017 a 2021 –, o tribunal, considerando que o contrato de gestão teria natureza de convênio, e calcado no artigo 116 da Lei 8.666, passou a defender a aplicação subsidiária da Lei de Licitações a editais de chamamento (por exemplo, TC 5788.989.17-6).

É possível que a falta de regulamentação do chamamento público tenha contribuído para o movimento de aplicação subsidiária da Lei de Licitações. Levando em conta que o tema segue sem regulamentação específica na maior parte dos entes e que a Lei 14.133/21 determinou que suas normas só se aplicariam a convênios e instrumentos congêneres na ausência de lei específica — destoando do artigo 116 da Lei 8.666 — pergunta-se: será que o TCE-SP seguirá aplicando a editais de chamamento de OS a lógica da licitação? Esperamos que não.


[1] Felipe Mikael Vasques Monteiro. Quais regras seguir em chamamentos públicos para organizações sociais: críticas a partir de uma análise da jurisprudência do TCE-SP. Dissertação (Mestrado Profissional em Direito Público). Orientador: André Rosilho. Escola de Direito da FGV Direito SP. São Paulo. 2021.