Direito de vista do relator no TCU: caso Eletrobras

JOTA.Info 2022-01-19

A desestatização da Eletrobras é assunto de impacto nacional. O processo do Tribunal de Contas da União (TCU) que o analisa contém uma série de aspectos curiosos. Comentamos aqui relevante ponto processual suscitado durante julgamento do dia 15 de dezembro (Acórdão 3.176/2021-Plenário) em que os ministros se manifestaram sobre o direito de vista do relator — tema já tratado em outra ocasião.

No início da sessão, houve antecipação de pedido de vista dos autos sob a justificativa de necessidade de aprofundamento em temas como o impacto tarifário decorrente do enceramento do contrato da Itaipu Binacional e o preço de outorga.

Não obstante o corriqueiro ser o relator conceder a vista e retirar o processo da pauta, ele optou, neste caso, provavelmente por conta da antecipação do pedido de vista em caso complexo, por adiantar seu voto. Na ocasião, destacou todos os pontos analisados pelo TCU e pontuou suas preocupações relacionadas à incompletude de informações prestadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME), aos estudos para aproveitamento ótimo de usinas, à maturação do processo em meio às mudanças regulatórias e às premissas do cálculo do valor adicionado aos contratos. Isso tudo para sugerir determinações e recomendações ao ministério e ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para que adotassem medidas relacionadas aos aspectos destacados em sua fala, de modo que a desestatização pudesse prosseguir.

Eis o problema: o pedido de vista, se deferido, adiaria a discussão em mais de mês, já que se tratava da última sessão do ano. Para tentar resolvê-lo, o plenário cogitou realizar sessão extraordinária na penúltima semana de 2021 para análise dessa matéria; ou acatar o pedido de vista sem obstar o seguimento da desestatização, condicionando a eficácia desse procedimento à decisão conclusiva do TCU.

Ambas as propostas encontraram dificuldades práticas, seja porque o Regimento Interno veda sessões plenárias após o dia 16 de dezembro (art. 92), seja porque o adiamento da manifestação do TCU sobre os atos da desestatização traria insegurança jurídica ao processo.

A solução aprovada pelo tribunal foi conceder o pedido de vista e, paralelamente, autorizar o seguimento dos estudos, condicionando eficácia da assinatura do contrato à decisão final de mérito do TCU.

Esta coluna já tratou dos limites aos pedidos de vista voltados a controlar o “timing” de julgamentos do colegiado. A decisão, contudo, se destaca por se afastar ainda mais do Regimento Interno.

O plenário deu interpretação própria à regra processual para o caso concreto, enevoando a credibilidade dos estudos que passarão a ser desenvolvidos para a desestatização da Eletrobras. Trouxe, com isso, insegurança jurídica ao procedimento como um todo.

A desestatização seguirá, mas sob a ameaça de um julgamento inconcluso. A solução costurada ad hoc pelo plenário não tem fundamento claro nas normas procedimentais do TCU. Indagado, o que o próprio tribunal diria de um colegiado que flexibiliza regras a que deve se submeter durante deliberação? Ainda que simbólica e para evitar atrasos no cronograma, esse tipo de decisão gera precedente arriscado, sem amparo claro nas normas do tribunal, levantando dúvidas sobre em que tipo de situação será repetida.