As pesquisas eleitorais são vilãs ou nossas aliadas?

JOTA.Info 2022-02-08

As pesquisas de opinião a respeito das intenções de voto no Brasil são sistematicamente alvo de debates, seja entre políticos, juristas ou mesmo pelo grande público. As críticas são variadas, mas nem sempre pertinentes. Apontam desde uma indesejada influência sobre a decisão do eleitor, passando por sua confiabilidade, chegando até a se questionar a capacidade de inferir a opinião de milhões de pessoas ouvindo tão pouca gente. Tema recorrente em ano eleitoral, utilizarei este espaço nesta primeira coluna no JOTA para retomar a discussão pública sobre seu uso.

Comecemos pelo mais simples: uma pesquisa de intenção de voto é confiável? A resposta é sim, desde que seja feita corretamente. Se não for, é no máximo uma enquete. Para sabermos se a pesquisa está correta, precisamos entender a ideia de representação. Uma pesquisa fará uma amostragem dos eleitores para ouvir sua opinião e a partir daí, extrapolar este resultado para o total da população. A opinião das pessoas ouvidas precisa estar associada à do todo; ou seja, deve ser representativa. Em uma enquete, sabemos apenas a posição de quem respondeu a pesquisa e não podemos extrapolar o resultado para os demais. Por quê?

A extrapolação é possível apenas se a pesquisa selecionar os respondentes de maneira aleatória, o que significa que qualquer pessoa teria a mesma probabilidade de ser abordada no início do levantamento. É o que garante a representatividade do resultado. Qualquer um de nós poderia ser ouvido naquele levantamento, ainda que a probabilidade de isto ocorrer seja bastante baixa – 0,002%, mais ou menos. Já na enquete, a chance de alguém ser escolhido não é a mesma para todas as pessoas: por exemplo, em situações nas quais o entrevistado precisa acessar determinado site para responder à pesquisa.

Se eu não tiver acesso ao site por qualquer razão, não tenho a mesma chance dos demais. Desta forma, em uma situação ideal, o resultado de uma pesquisa só diferiria do valor que seria obtido ouvindo toda a população por acaso – o que chamamos de erro amostral. Já o resultado de uma enquete não tem nenhuma validade como informação sobre a opinião de toda a população porque é um resultado viesado. Por esta razão, uma pesquisa de opinião nos informa sobre o todo; a enquete, não.

Apesar de sua dimensão técnica, a amostragem é parte rotineira de nossas vidas. Façamos uma analogia: se estamos cozinhando, como saber se o tempero está correto? Precisamos provar. Mas faremos isso comendo toda a comida ou provando uma pequena parte dela? O ato de separar uma pequena parte para inferir sobre o todo é a escolha de uma amostra. A seleção desta pequena parte indicará o tempero do todo apenas se a comida estiver bem misturada e se o instrumento utilizado for correto. Se colocarmos sal apenas em uma parte da comida e não misturarmos bem ou se usarmos uma colher contaminada pelo tempero e provarmos a comida, não avaliaremos corretamente e chegaremos a conclusões equivocadas sobre o todo.

Algo similar vale para as pesquisas de opinião. Se ouvirmos as pessoas de uma só cidade, ou com uma característica similar, seja renda ou idade, ou se deixarmos as pessoas se autosselecionarem (caso acessem um site, por exemplo), o resultado será inválido. Assim, para sabermos se a pesquisa procede adequadamente, ela precisa apresentar ao menos um plano amostral: um “mapa” com as características da população que permita ao pesquisador, no início do processo, ter a chance de contactar qualquer indivíduo daquele grupo e que nos mostre como as pessoas serão selecionadas. Dentre outras características, ter este plano garante que a pesquisa está correta e não produz os vieses de uma enquete.

Por outro lado, também é comum a dúvida a respeito de como se pode obter um resultado a respeito de um número tão grande de eleitores ouvindo uma parcela tão pequena deles. Da mesma maneira que não precisamos comer toda a comida para verificarmos se falta sal ou se está muito apimentada, não é preciso ouvir a totalidade das pessoas para saber como o grupo vai se comportar. Isso porque a pesquisa identifica o comportamento médio e o valor desta média pode ser alcançado conferindo apenas uma parcela muito menor dos dados, desde que a aleatoriedade esteja garantida.

O resultado da pesquisa não permite dizer como um indivíduo específico votará, mas inferirá a média do grupo. Se ouvirmos 2.000 ou 3.000 pessoas, já se atinge um grau de confiança elevado a respeito do resultado encontrado. Isto é suficiente para termos uma boa ideia do posicionamento dos eleitores.

Mas se tudo isto é verdade e há vários institutos de pesquisa sérios no Brasil[1], por que temos a impressão de que as pesquisas erram os resultados das eleições?

A resposta tem muitas razões e fundamenta outras críticas ao seu uso. A primeira delas é o erro amostral mencionado. A variação seria pequena neste caso, mas é inevitável. Há questões técnicas[2] também, que ficam evidentes na maior precisão das pesquisas no segundo turno das eleições brasileiras em comparação à do primeiro turno, por exemplo.

Um outro motivo desta diferença é que as pessoas se influenciam pelo próprio resultado das pesquisas para sua tomada de decisão, algo conhecido pela ciência política. Ao saber o resultado de uma pesquisa de opinião, o eleitor pode reconsiderar sua escolha, por exemplo, votando em determinado candidato com o intuito de evitar que uma opção muito indesejada vença. Tal comportamento é legítimo, já que a escolha não se baseia apenas na seleção da alternativa preferida, mas também em evitar que certos resultados aconteçam. Assim, a pesquisa não deve ser vista como uma previsão sobre o resultado da eleição, mas como uma sinalização momentânea dos humores dos eleitores, permitindo que cada um possa reconsiderar sua posição se for o caso.

Apesar desta influência, não deveríamos ficar tão preocupados com ela, se as pesquisas forem bem feitas. A sua interferência se dá em um ambiente de muitas outras intervenções. Nenhum eleitor ouve apenas o seu íntimo no processo de decidir em quem votar. Ninguém está isolado do ambiente externo e é capaz de reconhecer a sua posição “pura”, livre de ingerências. As notícias que nos chegam, as opiniões de nossos familiares, amigos e colegas de trabalho, as propagandas eleitorais, dentre outras, também nos influenciam. Por que apenas as pesquisas de opinião teriam efeito indesejado ou por que elas seriam as únicas a nos manipular?

Além disso, há um lado bastante positivo a respeito das pesquisas de opinião. Conhecer as intenções dos eleitores ajuda também os políticos a formarem suas estratégias. Por exemplo, circulam atualmente notícias de que, se não decolar nas pesquisas rapidamente, Sergio Moro abandonaria a disputa à Presidência e concorreria para o Senado Federal. Como condenar o efeito das pesquisas numa situação como essa?

Assim, desde que bem feita, uma pesquisa a respeito das intenções de voto é muito bem-vinda. Elas são mais uma fonte de informação para eleitores e políticos. As pesquisas não preveem o resultado das eleições exatamente porque permitem que as pessoas mudem suas decisões. Não se deve olhar para as pesquisas assim. Nem devemos vê-las como instrumentos de manipulação em um contexto que seria, de outra forma, livre de interferências. Devemos, sim, desconfiar de institutos desconhecidos e daqueles cujos resultados são muito diferentes dos demais. Quanto mais informação tivermos, mais certos estaremos de nossas decisões no dia da eleição.


[1] Há muitos institutos de pesquisa confiáveis no país. Ibope, Datafolha, Vox Populi, IPEC, Quaest são alguns deles. O site da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (www.abep.org) apresenta uma listagem destas empresas confiáveis.

[2] Estas envolvem aplicação de modelos binomiais para eventos multinomiais, cuja discussão escapa aos objetivos desta coluna.