O valor e o preço da democracia

JOTA.Info 2022-02-13

A maioria das pessoas concorda que a democracia é um valor importante e precisa ser protegido. A discordância começa quando a discussão chega ao preço a ser pago pela sociedade. Há muitos custos visíveis que não são controversos: todos os anos, um percentual elevado do Produto Interno Bruto (PIB) é destinado ao financiamento dos poderes públicos, entre os quais figura a própria Justiça Eleitoral.

Há outros custos que são opacos: por ser um governo por discussão, com múltiplos níveis institucionais, as decisões nos sistemas democráticos são tomadas com maior lentidão do que nas autocracias. É o que se chama de custo da inflexibilidade. Finalmente, o custo controverso: o financiamento da atividade político-partidária e das campanhas políticas.

O financiamento de campanhas é um tema que desperta debates acalorados em diversas partes do mundo. Deve ser público ou privado? E se for público, quanto devemos dedicar às campanhas eleitorais?

Em primeiro lugar, é preciso deixar algo claro: não há democracia sem dinheiro. Quanto mais aberta ao dinheiro privado, maiores as chances de que a política (e, por via de consequência, os governos) seja capturada por interesses privados. Quantas vezes vimos financiadores privados de campanha presos por direcionamento de licitações? Nessa linha, é provável que a opção por limitar o uso de dinheiro privado seja uma escolha saudável, do ponto de vista democrático. O nosso sistema prevê, justificadamente, esse tipo de limitação.

De outro lado, quanto mais dinheiro no financiamento da política, menores são as chances de que ele (o dinheiro) seja um fator preponderante na captação de votos. E o que se deseja são campanhas eleitorais em que o debate de ideias e projetos seja determinante, e não o número de vezes que o nome de alguém é exibido em panfletos, redes sociais ou impressos em santinhos. A realidade é que o sistema eleitoral brasileiro ainda exige campanhas caras, resultado de uso de eleições proporcionais e uma regulação intensa, cujo compliance é, para dizer o mínimo, dificultoso.

Pois bem. Para 2022, essa conta foi fixada em R$ 5,7 bilhões. O valor parece grande e foi objeto de revolta nas redes sociais. Captando esse sentimento, o partido Novo ajuizou a ADI nº 7.058, na qual postula a declaração de inconstitucionalidade do artigo 12, XXVII, da Lei de Diretrizes Orçamentárias, inicialmente vetado pelo presidente da República. São dois argumentos: um formal, de que a alteração da LDO violaria a iniciativa privativa da Presidência da República em matéria orçamentária; e outro material, de que seria imoral a destinação de tantos recursos públicos para o financiamento da atividade político-partidária. Dedico atenção ao segundo ponto.

A fixação do orçamento é uma das atividades mais essencialmente ligadas à atividade parlamentar. Como registra a história, o controle do gasto público é a causa primordial da ascensão dos parlamentos e uma das suas principais razões de existência. Seguramente não cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) fazer a sintonia fina do valor destinado ao financiamento da atividade política. Isso não apenas por falta de parâmetro constitucional, mas essencialmente porque, por todos os trade offs envolvidos e listados acima, decidir o dinheiro da política é, também, fazer política.

E aqui entra outro dilema: ao invés de estimular o uso massivo das redes sociais com o propósito de baratear as campanhas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem de restringir o seu uso, admitindo tão somente o impulsionamento de conteúdos. A pretexto de combater fake news e as milícias digitais, tem sido cada vez mais intensa a regulação de campanhas. Tudo isso influencia em custos. Aliás, esse é o tema da ADI nº 6281, que aguarda julgamento no próprio STF. Será que uma tolerância maior aos abusos virtuais não seria um preço razoável a pagar para assegurar campanhas mais baratas? Também aqui a decisão deve ser do público. Mas esse é tema para outro texto.

O mais importante é assegurar que a escolha fundamental a respeito do financiamento da democracia seja, ela própria, também democrática.