Cármen Lúcia: ‘Há estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental no Brasil’

JOTA.Info 2022-03-31

Embora ainda não tenha concluído o voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, já declarou que entende existir um “estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental no Brasil”. Para ela, nos últimos anos, em especial, desde o início do governo de Jair Bolsonaro, há um enfraquecimento do quadro normativo de proteção ao meio ambiente, ausência de cumprimento do orçamento e abandono do Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) sem colocar em lugar outro que seja comprovadamente eficiente.

O estado de coisas inconstitucional é caracterizado por um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia, incapacidade ou omissão das autoridades públicas em modificar a situação, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e de uma pluralidade de autoridades – como o Judiciário – podem alterar a situação inconstitucional. O Supremo já declarou o estado de coisas inconstitucional em outros temas, como no caso do sistema penitenciário brasileiro.

A ministra Cármen Lúcia iniciou o voto nesta quinta-feira (31/3) e deve continuar na próxima sessão, na quarta-feira da semana que vem (6/4). As duas ações em julgamento fazem parte da “Pauta Verde” do Supremo Tribunal Federal (STF), um conjunto de processos ajuizados por partidos políticos que questionam o esvaziamento das políticas ambientais pelo governo federal. Estão em julgamento, em um primeiro momento, a ADPF 760 e a ADO 54, que debatem a omissão do governo federal no combate ao desmatamento da Amazônia e o enfraquecimento do Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

As ações não constavam na pauta prévia de 2022 divulgada pela Presidência do Supremo, o que demonstra que as mobilizações feitas por artistas e por ex-ministros do Meio Ambiente comoveram a Corte para analisar a situação do meio ambiente no Brasil.

Antes de começar a leitura do voto, a ministra Cármen Lúcia citou a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, no último dia 25 de março. “Quatro dias antes de iniciar o julgamento [da chamada Pauta Verde, no Supremo] o Ministro da Economia do Brasil disse que o Brasil é um pequeno transgressor ambiental”, afirmou Cármen Lúcia. “Ao meu ver, a transgressão está confessada”.

 

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Em seu voto, a ministra citou as convenções internacionais às quais o Brasil é signatário e afastou as preliminares para o não conhecimento da ação trazidos pela Advocacia-Geral da União (AGU) como a ausência de matéria constitucional para a discussão nas ações; a impossibilidade de usar a ADPF para discutir as questões ambientais e a falta de provas que justifiquem a necessidade da ação constitucional. Para a relatora, há indícios suficientes que permitem a análise das políticas e omissões do governo federal em relação à matéria ambiental.

Além disso, citou precedentes de matérias julgadas via ADPF de temas mais “amplos”, como a ADPF 347, sobre o sistema penitenciário brasileiro e a ADPF 635 sobre operações policiais em comunidades.

Na visão de Cármen Lúcia, a discricionariedade da Administração Pública não pode ser confundida com arbitrariedade e não cumprimento do dever constitucional de proteção ao meio ambiente. Cármen Lúcia ainda citou que não adianta “teatro estatal” e “farsa da política pública” em políticas públicas de meio ambiente, é preciso atuação eficiente e verdadeira. A ministra ainda leu dados de que o desmatamento na Amazônia cresceu após o enfraquecimento do PPCDAm desde 2018.

Na sessão desta quinta, também se manifestou o Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras. Para ele, as ações são improcedentes porque os autores tentam, via STF, substituir a opção política atual de proteção ao meio ambiente por aquelas que eles entendem mais adequadas. “Questões do meio ambiente são de alta especialização técnica e comportam diferentes opções políticas”, afirmou. Em sua opinião, o embate político não se resolve com apelo à jurisdição constitucional.