Precisamos falar sobre o PSDB

JOTA.Info 2022-04-12

Partido que dividiu o protagonismo com o Partido dos Trabalhadores (PT) na disputa eleitoral pelo cargo de presidente entre 1994 e 2014, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) vem ocupando manchetes negativas já há alguns anos. Recentemente, a desfiliação de Geraldo Alckmin e a rivalidade entre João Doria e Eduardo Leite pela vaga na chapa tucana à Presidência acentuaram um longo processo de deterioração.

O que aconteceu com a legenda que deixa o protagonismo da política brasileira para ter o tamanho de siglas médias do sistema partidário? Longe de responder a esta pergunta, a reflexão aqui proposta se baseia na premissa de que, se a história do partido ainda precisa ser melhor entendida, qualquer explicação deverá necessariamente passar por episódios fundamentais que serão tratados brevemente aqui.

O PSDB nasce em 1988 como uma legenda de centro-esquerda. Apresentando um programa de defesa da social-democracia, coloca-se à esquerda da sigla originária de parte de seus fundadores, o então PMDB, à época no centro do espectro político. Ainda um partido bastante novo, já em 1994, em sua segunda eleição, o PSDB vence a disputa presidencial. Neste momento, um primeiro fato importante influenciará sua trajetória: o principal marco da administração tucana está publicamente associado ao Plano Real.

A estabilidade monetária e todo o arranjo econômico necessário para que ela se mantivesse, o que implicou em um amplo programa de privatizações, tornaram-se a principal bandeira do partido. Esta é uma contradição determinante da trajetória futura da sigla, que vai, inclusive, ser usada por seus adversários, como a menção à frase “Esqueçam o que eu escrevi”, supostamente dita por FHC.

O desacordo imporia uma significativa mudança de rumos a um partido de centro-esquerda, já que o marco do governo era a estabilidade monetária a partir de uma agenda econômica liberal. O grande desafio se situava em conciliar a sua vocação original social-democrata com a proposição fortemente liberal na economia como principal legado.

Esta discordância vai se agravar pelo fato de o ambiente político ser desfavorável ao cumprimento desta tarefa. A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002 dá início a um período de aprofundamento da agenda tucana e não de uma contraposição a ela — por exemplo, o Bolsa Família, marco da administração petista, origina-se na reorganização de propostas tucanas, após o naufrágio do programa Fome Zero.

Os méritos se associavam diretamente à Lula e nenhuma associação ao PSDB encontrava eco na opinião pública. De outra parte, parlamentares tucanos se veem com dificuldades de fazerem oposição a uma agenda que é muito similar à promovida nos governos FHC. Ou seja, o campo ideológico originário estava sendo ocupado pelos petistas. A “Carta aos Brasileiros” indicou o final de um processo de claro deslocamento do PT para ocupar a centro-esquerda, iniciado em 1994, e que pôde colocar em prática com a vitória em 2002. Assim, se por um lado o PSDB perdia o posto de sigla associada à centro-esquerda, por outro, ainda demonstrava capacidade de se manter protagonista na disputa eleitoral à Presidência.

Com relação às eleições, a aliança vitoriosa em 1994 entre PSDB e o então PFL representava outro marco em direção distinta às origens do partido. Esta aliança sofreu muita resistência interna — de Mario Covas, por exemplo (Folha de S.Paulo, 8/3/1994) — e intensificava a contradição entre seu programa original e sua imagem construída durante seu governo. Apesar de controversa, esta aliança se repetiu em praticamente todas as disputas eleitorais do período.

Por outro lado, o PT estabelecia-se como o partido eleitoralmente viável para o campo da esquerda no país. A vitória de Lula sobre Leonel Brizola em 1989 e em 1994, contando, inclusive, com a participação deste como vice na chapa derrotada em 1998, consolidava os petistas como opção eleitoralmente viável para a esquerda brasileira. Surgia assim o embate que determinaria os rumos da disputa pela Presidência da República por 20 anos.

Porém, há outra diferença importante neste confronto: ainda que a competição pela Presidência se desse entre tucanos e petistas e esta organizasse as alianças partidárias nos principais estados, a associação dos eleitores a cada uma das legendas se mostrava distinta. Enquanto a manifestação dos eleitores petistas indicava um nível significativo de identidade com a sigla, o fenômeno não ocorria entre os eleitores tucanos com a mesma magnitude.

Esta distinção é importante porque velava um processo que exigia que o partido se resolvesse internamente. O PSDB não foi capaz de cultivar o eleitor a ponto de este manifestar-se como associado ao partido. Enquanto José Serra, Alckmin e Aécio Neves protagonizavam a disputa pela liderança nacional da legenda, o eleitorado não se consolidava em torno de seu projeto. O eleitorado à esquerda tinha no PT a alternativa evidente, enquanto o PSDB não construiu tal identidade com alguma parcela clara do eleitorado. Em parte reflexo de sua trajetória, em parte pela atuação de suas lideranças, o fato é que o voto em seus candidatos não era fortemente um voto tucano, mas, sim, um voto antipetista.

Tal desarranjo encontrou na Lava Jato a força para desvelar-se. Na primeira eleição em que a indisposição ao PT atingiu níveis recordes, a legenda foi incapaz de se aproveitar da situação e obteve seu pior resultado em uma eleição para presidente desde 1989. O eleitor se mostrou ávido por encontrar uma candidatura que de fato representasse uma oposição ideológica ao Partido dos Trabalhadores; um voto antipetista já não bastava. Não havia, como não há até o momento, um partido que se apresente como alternativa eleitoral à direita e os conflitos encontrados pelo PSDB impediram-no de ocupar este espaço. A eleição de 2018 deixou isso evidente.

É neste contexto de perda de protagonismo nacional que Doria tenta se impor no partido. Seu protagonismo, se bem sucedido, significaria uma nova guinada à direita para a legenda. Sua vitória no primeiro turno para prefeito de São Paulo, um feito inédito, e a seguida vitória para o governo paulista lançavam o político neófito para uma posição de destaque. Acreditou, assim, ter condições de já almejar o cargo de presidente.

Porém, mais uma vez, as disputas internas levam a legenda para outro lugar. Desta vez, a reedição da disputa entre cabeças brancas e cabeças pretas encontraram em Doria e Leite a rixa da vez. Se Doria acreditava que seu lugar no Palácio dos Bandeirantes lhe daria vantagem natural pelo tamanho do eleitorado que poderia mobilizar, ele se esqueceu de combinar com o partido.

O nome do novato Eduardo Leite foi levantado para disputar com Doria a nomeação e contou com o apoio de lideranças tradicionais, como Aécio. Nem a promoção das prévias foi capaz de trazer paz. O mineiro, repetindo sua postura após a eleição nacional de 2014, mais uma vez não aceitou a derrota eleitoral.

Notícias dão conta de que, insistindo no nome de Leite, Aécio inviabilizou a candidatura de Doria ao dificultar alianças com outros partidos, como MDB e PSD. No momento, o PSDB se vê claramente incapaz de protagonizar a disputa presidencial e cogita-se que Leite seja lançado como vice em uma chapa encabeçada pelo MDB, invertendo a aliança partidária de 2002. Em um contexto em que as pesquisas de intenção de voto indicam outros dois candidatos com quase 70% dos votos combinados, é improvável que alcance o segundo turno da eleição.

Para um partido que cumpria importante papel articulador da disputa eleitoral no Brasil, é significativa a redução de sua relevância no cenário político. Os momentos apresentados aqui são importantes e merecem análise detida para que fiquem melhor amarrados. Apesar de relevantes, esta interpretação ainda é uma proposição. E deve ser feita. A trajetória deste partido em conjunto com a do PT nos revela muito sobre o funcionamento recente da democracia brasileira.