Eleitores evangélicos preferem Bolsonaro, certo? Errado!

JOTA.Info 2022-04-18

Um discurso que se popularizou em Brasília, desde 2018, é que eleitores evangélicos preferem o presidente Jair Bolsonaro (PL) a qualquer outro candidato. A exemplo das principais lideranças religiosas, estes eleitores estariam, no jargão das redes sociais, “fechados com Bolsonaro”. Esse assunto voltou com força nas últimas semanas, após declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sugerindo que o aborto deveria ser debatido como problema de saúde pública e de direitos humanos, e não tratado no âmbito da justiça e da segurança pública.

Suas declarações provocaram ondas de choque em todas as direções. Por motivos diferentes, elas agradaram tanto a base mais progressista do PT quanto ao QG de reeleição de Bolsonaro, que viu potencial nas falas de Lula para ativar a pauta moral em um grupo de eleitores que pode chegar a 79% da população adulta, segundo pesquisa de opinião realizada em 2020 e reproduzida abaixo.

Por outro lado, as declarações de Lula desagradaram uma parcela importante de operadores políticos da campanha petista, que preferiam que Lula evitasse temas polêmicos da pauta de costumes e focasse apenas em assuntos de fácil responsabilização da gestão de Jair Bolsonaro no Planalto, como a atuação do governo durante a pandemia, crescimento fraco, inflação e juros altos, além da taxa ainda elevada de desemprego e aumento da desigualdade de renda e alto endividamento.

O plano era Lula bater na tecla, daqui até a eleição, que o Brasil está no rumo errado e que o Bolsonaro é o culpado, fazendo Bolsonaro não só perder a eleição, mas perder feio. Contudo, Lula não parou de falar para convertidos nem deixou de dialogar com as minorias. Mas por que um político experiente como Lula insiste em posições contramajoritárias e na aproximação com grupos relativamente pequenos no jogo eleitoral? A razão é bastante simples: ele quer conquistar mais votos do que tem hoje.

O que ganha Lula com isso?

Pode ganhar muito. De bobo Lula não tem nada. Ao chamar a atenção de eleitores que estão atentos à pauta de costumes, Lula busca ativar a memória de prosperidade do seu governo nesse segmento, testando posturas e discursos. O cálculo nessa investida é irritantemente simples: o evangélico também é empresário, empreendedor, gari, dona de casa, faxineira, entregador e motorista de aplicativo. Então, no fundo, o eleitor evangélico é gente que trabalha, que vive e sente a ação do governo no dia-a-dia como qualquer outro.

Segundo o último levantamento do Datafolha, realizado entre os dias 05 e 07 de abril, 38% dos evangélicos classificam o governo como ruim e péssimo, contra 37% que avaliam como ótimo ou bom. Lula lê esses números como uma oportunidade.

Ao dizer que o Lula como pessoa e cidadão também é contra o aborto, ele sinaliza sua convicção para o eleitorado mais conservador. Mas explica que o Lula candidato a presidente entende que a descriminalização do aborto deveria ser uma questão de saúde pública.

O voto evangélico

Se olharmos as últimas pesquisas eleitorais elas mostram que Bolsonaro e Lula estão tecnicamente empatados na preferência de votos dos evangélicos, com cerca de 1/3 das intenções cada (Bolsonaro, 37%; Lula, 34%). Bolsonaro tem uma vantagem numérica, mas Lula quase sempre aparece muito próximo, dividindo a intenção de votos dos evangélicos. Entre os católicos, Lula tem uma vantagem sobre Bolsonaro superior a 20 pontos, segundo o último Datafolha.

Mesmo quando agregamos os resultados de várias pesquisas que incluíram a religião em seus questionários, a distribuição parece consistente, embora a diferença seja um pouco maior. No consenso das pesquisas calculado esta semana pelo JOTA, Lula amealha 32% do voto evangélico contra 38% de Bolsonaro.

O que a população acha sobre o aborto?

O retrato mais recente da opinião da população sobre o aborto que eu encontrei vem de uma pesquisa nacional, realizada por telefone em janeiro de 2021 pelo Instituto Paraná Pesquisas.

Muita coisa pode ter mudado de lá para cá, especialmente na percepção da população sobre os principais problemas do país, mas o que não mudou, ou mudou muito pouco, foi a opinião das pessoas sobre o aborto.

O Brasil é um país que resiste à mudanças. Segundo o levantamento realizado pela Paraná Pesquisas, 79% da população era contrária a legalização do aborto contra 17% que se declarava a favor da medida.

Gráfico coluna Marcelino

Na análise mais detalhada é possível perceber nuances importantes. A medida é mais combatida por homens (83%) do que por mulheres (76%). Mais aceita pela população mais jovem (22%), entre 16 e 24 anos, e menos pelas pessoas acima de 60 anos (12%). Mais aceita entre quem cursou ensino superior (22%) do que quem só tem ensino fundamental (14%). 

Por outro lado, segundo o levantamento não há diferenças significativas sobre esse tema entre brasileiros de uma região à outra no país. Nem entre quem está na força de trabalho ou fora dela.