Um antigo hábito do TCU
JOTA.Info 2022-05-11
Mick Jagger tem razão: old habits die hard. Foi meu pensamento quando li o acórdão 81, de 2022, do plenário do Tribunal de Contas da União — inusitado, eu sei. A expressão, que virou título da música dos Rolling Stones, refere-se a hábitos antigos, difíceis de serem mudados. E parece ser o caso da sustação de contratos públicos pelo TCU.
Há consenso de que o tribunal não tem competência para, suspeitando de irregularidade, sustar contratos públicos em execução. Administrativistas gregos, troianos e o próprio TCU remetem ao §1º do art. 71 da Constituição para dizer que, nesses casos, o ato de sustação deve ser adotado pelo Congresso Nacional.
Há mais de dez anos o tribunal reproduz esse discurso em suas decisões (p. ex., acórdão 2.105, de 2008). Mas, paradoxalmente, também há mais de dez anos susta contratos públicos na prática. Isso porque, em paralelo ao discurso, o TCU afirma ter competência para determinar a autoridades públicas responsáveis que suspendam a execução de contratos supostamente irregulares. Ou seja: não susta diretamente, mas ordena que o façam.
O acórdão de 2022 sintetiza os fundamentos utilizados pelo tribunal, ao longo dos anos, para afirmar tal poder. São dois: 1) o Supremo Tribunal Federal (STF) teria dito que, segundo o art. 71, IX, da Constituição, o TCU poderia determinar à autoridade administrativa que promovesse a anulação de licitação irregular e, por consequência, do contrato dela decorrente (MS 23.550, de 2001); 2) o TCU teria um poder geral de cautela, que lhe permitiria adotar medidas para suspender a execução contratual a fim de mitigar o risco de agravamento de lesão ao erário público ou de ineficácia da decisão de mérito da Corte.
A jurisprudência do TCU é passível de críticas.
Em primeiro lugar, porque o julgado do Supremo é contraditório. Se, por um lado, diz ser possível determinar a anulação do contrato por ato reflexo à anulação da licitação, por outro, afirma que a sustação do contrato é competência reservada ao Legislativo. Embora no plano teórico as situações pareçam distintas, no prático, têm a mesma implicação: interromper a execução contratual. Faz sentido a diferenciação?
Em segundo lugar, inexiste norma constitucional ou legal dando ao TCU um poder geral de cautela — trata-se de construção jurisprudencial baseada em decisões esparsas do STF (p.ex., MS 24.510, de 2003). A suposta existência de fumus boni juris e periculum in mora não justifica que o TCU se comporte como o Judiciário.
Mais: a própria legislação reforçou a competência do Congresso Nacional. Leis de diretrizes orçamentárias passaram a disciplinar os aspectos que deveriam ser considerados pelo Legislativo ao avaliar a possibilidade de sustação (p.ex., art. 139, Lei nº 14.116, de 2020).
Meu primeiro contato com o tema foi em 2013. O espanto ao me deparar novamente com ele foi que, passados tantos anos, a prática do TCU continua a mesma. Os fundamentos utilizados sequer foram alterados para responder às críticas que surgiram nesse período. Eventual mudança parece depender de posicionamento mais assertivo do STF, ou de reforma normativa. Old habits die hard, já disse Mick.