O controle vale a pena?

JOTA.Info 2022-05-18

O acadêmico costuma ter o cacoete da crítica. E é natural que seja assim. Afinal, ele vive de apresentar, testar e contrapor ideias, pesquisar e refletir sobre a realidade, dialogar com diferentes visões de mundo. Foi por essa lente, a do acadêmico, que tomei contato com o Relatório Anual de Atividades do Tribunal de Contas da União de 2021, no qual “se registram os principais resultados decorrentes da atuação do TCU no período”.

Do extenso relatório, destaco a parte que se ocupa dos “benefícios financeiros das ações do controle externo” (item 4.1).

Talvez em função do que dispõe o § 2º do art. 90 da Lei Orgânica do TCU, o Tribunal parece se sentir compelido a convencer o Congresso Nacional de que o controle “vale a pena” — isto é, de que o custo de funcionamento do TCU é menor do que o montante de recursos que devolve ao erário federal, ou que impede que sejam gastos de modo indevido.

Segundo cálculos da própria Corte, a soma dos benefícios financeiros das ações de controle teria atingido, em 2021, o valor total de cerca de R$ 87 bilhões, “40,04 vezes superior ao custo de funcionamento do TCU no período (R$ 2.174.654.396,56)”. A vantagem para o Tribunal teria aumentado exponencialmente nos últimos anos — em 2017, por exemplo, o suposto benefício financeiro teria girado ao redor de R$ 11 bilhões.

Sobre o tema, levanto duas dúvidas de cunho metodológico.

Dúvida quanto ao método utilizado pelo TCU para aferir supostos benefícios financeiros gerados por ações do controle externo.

O próprio TCU reconhece que os “benefícios das ações de controle externo são (…) de difícil mensuração em termos financeiros”. Mas considera que alguns resultados seriam “passíveis de mensuração em termos financeiros e gera[riam] benefícios que pode[riam] ser potenciais ou efetivos”.

Para o relatório, por exemplo, o Tribunal teria gerado benefício efetivo de R$ 200 milhões correspondente a incremento do valor de outorga em caso de arrendamento portuário (acórdão 1.750/2021-P).

Contudo, é viável computar como benefício financeiro gerado pelo controle o incremento do valor de outorga de contrato ainda não licitado? O aumento do valor de outorga é sinônimo de benefício para o usuário do serviço? No cálculo do benefício financeiro, teria o Tribunal levado em conta os custos oriundos da intervenção do controle?

Dúvida sobre a compatibilidade da métrica do benefício financeiro de ações do controle com a persecução do objetivo que o TCU declara ser prioritário para a instituição.

Consta do relatório que o Tribunal teria “a missão constitucional de aprimorar a Administração Pública em benefício da sociedade por meio do controle externo”. No entanto, o destaque do capítulo 4 (“Principais resultados do TCU”) são os supostos benefícios financeiros das ações do Tribunal. Ao apresentar os resultados da instituição a partir desse recorte, o TCU prioriza ações focadas em aumento de receita e redução de despesa, na prática relegando para um segundo plano o objetivo que o Tribunal declara ser prioritário. O aprimoramento da gestão pública não pode ser obtido com aumento de despesa?

Ademais, a métrica do retorno financeiro estimula o TCU a sempre “melhorar” a equação custo-benefício do controle externo. A busca pela demonstração de que o Tribunal “vale a pena” tende a produzir decisões mais interventivas e a incrementar a aplicação de sanções.

A métrica do retorno financeiro gerado pelo controle externo parece inconsistente. Para incrementar o esforço de transparência do Tribunal, talvez fosse o caso de abandoná-la.