A convalidação de benefícios nas autuações por falta de pagamento do ICMS-ST

JOTA.Info 2022-09-08

A concessão de benefícios fiscais do ICMS pelos estados e pelo Distrito Federal sem a autorização unânime do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) — a chamada “guerra fiscal” — foi cenário de inúmeras discussões e motivou a propositura de ações diretas de inconstitucionalidade questionando tanto as normas de concessão dos benefícios fiscais, como os créditos tributários constituídos em virtude da glosa dos créditos destacados e não cobrados nos contribuintes destinatários[1].

No intuito de pôr fim à guerra fiscal, foi publicada a Lei Complementar nº 160/2017 e também o Convênio ICMS nº 190/2017, que dispõem sobre a remissão de créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais instituídos em desacordo com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal[2], afastando, retroativamente, as sanções previstas no art. 8º da Lei Complementar nº 24/1975[3]. Os efeitos das citadas normas no processo administrativo paulista foi objeto do artigo do Observatório do TIT, “A guerra fiscal e a Lei Complementar 160/2017”, publicado pelo JOTA em 7 de fevereiro de 2019.

No estado de São Paulo, foi publicada a Resolução Conjunta SFP/PGE nº 01, de 7 de maio de 2019, que trata dos procedimentos a serem adotados pelos contribuintes relativamente a créditos de ICMS decorrentes de operações para as quais tenham sido concedidos benefícios em desacordo com o previsto na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 24/1975.

Nos termos do disposto no art. 1º, da Resolução Conjunta SFP/PGE nº 01/2019, para o reconhecimento de créditos relativos ao ICMS decorrentes das operações relatadas no parágrafo acima, o contribuinte adquirente paulista deve apresentar o pedido de reconhecimento do crédito, conforme modelo constante no anexo da resolução.

Em se tratando de crédito objeto de auto de infração e imposição de multa em processo eletrônico não julgado definitivamente, o pedido deve ser apresentado no próprio processo, de modo que, verificado o atendimento aos requisitos formais, o pedido é encaminhado à Diretoria de Atendimento, Gestão e Conformidade (Diges) para fins de verificação do reconhecimento, ou não, dos créditos tributários, ficando suspenso o julgamento no âmbito do contencioso administrativo tributário até a data da notificação do contribuinte acerca da decisão proferida pela Diges.

No entanto, ainda que as dificuldades enfrentadas pelos contribuintes relativamente ao reconhecimento dos créditos de ICMS tenham sido dirimidas a partir da publicação da Resolução Conjunta SFP/PGE nº 01/2019, subsiste ainda a discussão nos casos sujeitos à sistemática de substituição tributária.

Isso porque, apesar de, em geral, os autos de infração lavrados para cobrança do ICMS/ST no contexto da “guerra fiscal” terem como fundamento a Lei Complementar nº 24/1975, cujas sanções foram afastadas pela Lei Complementar nº 160/2017, a Diges vem indeferindo os pedidos de reconhecimento de créditos, de forma que o processo retorna a julgamento no contencioso administrativo tributário.

Vejamos, então, como tem sido as decisões do TIT após tais manifestações.

A 3ª Câmara Julgadora do TIT, no julgamento do AIIM 4.130.508-5, realizado em 2 de fevereiro de 2021, seguindo o posicionamento da Diges, manifestou o entendimento de que, nos casos em que o contribuinte abateu do montante devido de ICMS-ST o ICMS relativo às operações próprias, em montante superior ao efetivamente cobrado no estado de origem, ocasionando a redução no cálculo do imposto retido por substituição tributária ao estado de São Paulo, não há subsunção “às hipóteses abstratas sancionatórias afastadas pelo artigo 5º da Lei Complementar nº 160/2017, não se aplicando a remissão (decisão unânime, voto da juíza Relatora Luciana Cristina da Silva Vendramini).

Diferentemente, a 8ª Câmara Julgadora do TIT, no julgamento do AIIM  4.048.560-2, sessão de 8 de dezembro de 2021, decidiu que “não há, pois, também no Convênio ICMS 190/17, qualquer restrição ao tipo de benefício fiscal convalidado, nem, menos ainda, aos efeitos da remissão sobre TODOS os créditos tributários constituídos ou não decorrentes de benefícios fiscais ou financeiros fiscais convalidados pelos Estados nos termos do mencionado Convênio ICMS 190/2017 e Lei Complementar160/17.” Oportuna, pois, a transcrição da ementa do voto vencedor, proferido pelo juiz Samuel Luiz Manzotti Riemma:

“ICMS. CONVALIDAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS NA FORMA DA LEI COMPLEMENTAR 160/17 E CONVÊNIO ICMS 190/17. A CONVALIDAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS ATINGE AS AUTUAÇÕES POR FALTA DE PAGAMENTO DO ICMS DEVIDO POR SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA FUNDADAS NA INDEDUTIBILIDADE DE VALORES NÃO COBRADOS NA OPERAÇÃO PRÓPRIA DO SUBSTITUTO POR FORÇA DE BENEFÍCIO FISCAL CONVALIDADO. ASSIM POR NÃO HAVER NA LC 160/17 E CONVÊNIO ICMS 190/17 QUALQUER RESTRIÇÃO QUANTO AO TIPO DE BENEFÍCIO FISCAL QUE SE CONVALIDA, BEM COMO POR SER O ICMS DA OPERAÇÃO PRÓPRIA DO SUBSTITUTO DE SER CONSIDERADO INTEGRALMENTE COBRADO A PARTIR DA CONVALIDAÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS. RECURSO ORDINÁRIO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DE OFÍCIO PREJUDICADO.”

O voto vencedor destacou que cabe ao TIT a última palavra sobre a aplicação da legislação a quaisquer fatos vertidos em autos de infração e imposição de multa. A decisão vai ao encontro do dever de controle de legalidade e juridicidade do ato administrativo de lançamento — competência exercida pelos juízes, que não se vinculam ao parecer de cunho procedimental emitido pela Diges[4].

Ademais, a decisão ressaltou que o entendimento sobre a aplicabilidade da remissão aos créditos de ICMS que envolvem incentivos de ICMS na operação própria do substituto não é isolado, sendo compartilhado pela própria Consultoria Tributária da Sefaz/SP na Resposta à Consulta Tributária nº 23.323/2021.

A referida consulta tributária foi apresentada por contribuinte com atividade de comércio atacadista de mercadorias em geral, empresa optante pelo Simples Nacional, que pretendia realizar compras de produtos lácteos para revenda, de estabelecimento situado no Estado do Espírito Santo, beneficiado por crédito presumido do imposto (art. 530-Z-N, do RICMS/ES).

A dúvida apresentada pela empresa dizia respeito à possibilidade de o destinatário paulista contribuinte do ICMS se apropriar do ICMS destacado na nota fiscal quando o produto fosse sujeito ao regime de substituição tributária, para desconto no cálculo do valor de ICMS a ser recolhido por substituição tributária.

Em resposta, a consultoria tributária esclareceu que, uma vez que houve reinstituição do benefício fiscal concedido pelo estado do Espírito Santo, “relativamente às aquisições de mercadorias sujeitas ao regime de substituição tributária, no que diz respeito ao recolhimento do imposto devido nos termos do art. 426-A do RICMS/2000, conforme previsto na alínea ‘e’, do item 1, do § 2º [5] c/c § 4º, a Consulente deverá deduzir o imposto cobrado na operação anterior (IC) e devidamente destacado no respectivo documento fiscal […]”.

A inexistência de diferenciação entre o ICMS normal e o ICMS-ST, para fins de emprego das regras aplicáveis à “guerra fiscal”, é corroborada por outras disposições do RICMS, a exemplo do art. 426-C, que dispõe que, relativamente às operações interestaduais destinadas a contribuinte paulista, beneficiadas ou incentivadas em desacordo com a Constituição Federal, o imposto correspondente ao valor do benefício ou incentivo deverá ser recolhido ao estado de São Paulo pelo adquirente da mercadoria, inclusive nas operações interestaduais sujeitas ao regime de substituição tributária.

O acórdão proferido pela 8ª Câmara Julgadora do TIT no AIIM 4.048.560-2 foi objeto de recurso especial interposto pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, e, assim como diversos outros casos, aguarda julgamento pela Câmara Superior, que trará à tona o entendimento final do TIT acerca da matéria.

Autoria:

Kalinka Bravo – Pesquisadora do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT. MBA Executivo em Direito Civil e Processo Civil pela FGV. Pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET. Especializada em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário Estratégico na Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia – FACE-PUC/RS. Mestranda em Direito Tributário pelo IBET.

Luana Pinto Schunck – Pesquisadora do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Pós-graduada em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Coordenação:

Eurico Marcos Diniz de Santi

Eduardo Perez Salusse

Kalinka Bravo

Lina Santin


[1] CARVALHO, Osvaldo Santos de; MARTINELLI, Luis Fernando dos Santos. Lei Complementar nº 160 e seus reflexos nas administrações tributárias estaduais. Será mesmo o fim da guerra fiscal? Disponível em: https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2018/06/LC-160-Prof.-Osvaldo.pdf. Acesso em: 16/08/2022.

[2] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: […]

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: […]

XII – cabe à lei complementar: […]

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.

[3] “Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta Lei acarretará, cumulativamente:

I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria;

Il – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente.”

[4] Nesse sentido, vide artigo de Eduardo Perez Salusse e Kalinka Bravo: “7 – Guerra fiscal: não vinculação do julgador administrativo ao parecer da Diretoria de Atendimento, Gestão e Conformidade (DIGES) que indefere pedido de reconhecimento de créditos ao arrepio da lei complementar nº 160/17.”, in Direito Tributário sob curadoria de Eurico Marcos Diniz de Santi – Ed. 2021, Thomson Reuters.

[5] Artigo 426-A – Na entrada no território deste Estado de mercadoria indicada no § 1°, procedente de outra unidade da Federação, o contribuinte paulista que conste como destinatário no documento fiscal relativo à operação deverá efetuar antecipadamente o recolhimento (Lei 6.374/89, art. 2°, § 3°-A):

§ 2° – O imposto a ser recolhido deverá ser calculado, em se tratando de mercadoria cuja base de cálculo da sujeição passiva por substituição seja:

1 – determinada por margem de valor agregado, pela aplicação da fórmula IA = VA x (1 + IVA-ST) x ALQ – IC, onde: […]

e) IC é o imposto cobrado na operação anterior;