A Independência e o novo normal
JOTA.Info 2022-09-08
O bicentenário da Independência do Brasil, celebrado no último dia 7 de setembro, acabou marcado por uma série de eventos de campanha do atual presidente. Em lugar das cerimônias formais em que a data histórica teria a importância devida, com o correspondente reconhecimento internacional[1], inclusive, Jair Bolsonaro preferiu discursar como se estivesse em um grande comício. A falta de episódios marcantes aventados até a semana anterior à data acabou deixando os opositores sem um grande fato que pudesse ser utilizado contra o presidente, mas o alívio pela ausência de uma catástrofe também não deve ser comemorada. Normalizar o absurdo não deveria trazer alento às pessoas.
Temia-se que o presidente criticasse as urnas e ameaçasse as eleições do próximo mês. Ou pior, havia receio de que tentasse algo próximo a um golpe. Como em 2021, havia expectativa sobre qual o comportamento da população em geral, que poderia se organizar como os caminhoneiros fizeram e eram animados por quem pedia pelo AI-5 ou pela intervenção militar de forma mais ostensiva nas ruas do país. Também era cogitado um enfrentamento público do presidente contra o Poder Judiciário, mais especificamente contra o STF e seus ministros, fato inclusive temido por seus apoiadores-membros do centrão. Mas nada disso ocorreu.
A falta de episódios deste porte deixou a oposição e aqueles que temiam por algo grave sem grandes acusações a serem levantadas ou até mesmo sem justificativas para suportar suas posições anteriores diante da parcela da população que não compartilha da mesma visão. Pairou uma sensação de exagero ou até de alívio diante dos episódios ocorridos neste último 7 de setembro.
Ainda assim, é grave e um tanto simbólico do nosso esgarçamento democrático atual acharmos razoável e pouco problemática a apropriação da data nacional para eventos particulares. Se em 2021 houve um receio real de que Bolsonaro se aproveitasse da data e instituísse um autogolpe, neste ano o que se viu foi o presidente se aproveitar da claque mobilizada e fazer campanha: apontou supostos acertos de seu governo e aproveitou para demonizar seus adversários, reais e imaginários, postura típica de comícios em que se busca mobilizar a militância. O chefe de Estado deu lugar ao candidato.
A falta de decoro e de capacidade de entender seu papel como chefe de Estado do país não são novidades para Bolsonaro. A imagem de homem do povo que quis construir parece ter servido de motivação para que pudesse se despir ao menos de parte das funções públicas que o cargo exige. Esta postura inadequada se repetiu ao longo de todo o seu mandato e não era crível que a relevância do momento histórico fosse suficiente para que algo mudasse em seu comportamento. De fato, não foram.
O real problema deste cenário é que, mais uma vez, nos acostumamos com o que é ruim, com o que é inadequado, com o absurdo. A Independência do país é um momento de celebração da nação brasileira. É um momento em que o chefe de Estado deveria destacar a importância da data acima de tudo, do momento histórico que ela representa. Por mais preocupado que estivesse com as próximas eleições, a imagem do presidente no papel institucional correto já poderia servir como propaganda suficiente para indicar à população quem ocupa o lugar de representante máximo do poder político no país. Ainda mais em uma data tão importante, serviria para associar sua imagem, aí sim de maneira correspondente, àqueles que valorizam a Pátria – marca distintiva do discurso de seus eleitores.
Quando havia até receio de um autogolpe, a manutenção da ordem institucional nos traz consolo; o ruim parece de bom tamanho diante do péssimo. Mas não podemos duvidar: o contexto é ruim. E os receios que pairam sobre as eleições que se avizinham ainda permanecem. Um outro alívio pelo velho normal – uma eleição sem sobressaltos, com a aceitação dos resultados – é o desejado. É muito pouco.
[1] Vieram chefes de Estado de Portugal, Guiné Bissau e Cabo Verde, enquanto Angola e Moçambique enviaram representantes para a cerimônia em Brasília.