O TCU e sua multidisciplinariedade

JOTA.Info 2022-09-14

Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou post nas redes sociais cuja legenda dizia: “Auditoria do TCU aponta falhas em mudança de regra que autoriza a exploração de animais aquáticos”. Seu sítio eletrônico oficial traz as seguintes notícias dos últimos meses: TCU analisa segurança cibernética de instituições federais”; “TCU manifesta total confiança nas instituições eleitorais e no sistema de votação do país”; “TCU vai avaliar mecanismos de prevenção e combate ao assédio existentes na Caixa Econômica Federal” “TCU verifica alto risco à privacidade de dados pessoais coletados pelo governo”; “TCU recomenda a exigência de vacinação de estrangeiros em visita ao Brasil”. 

As matérias revelam uma corte multidisciplinar e com atuação em franca expansão. Caso não nominassem o TCU, seria difícil até imaginar estarem a tratar de uma corte de contas.  

O fato merece reflexões.   

A primeira diz respeito à conformidade da atuação contemporânea do TCU com o rol de suas competências definidas no art. 71 da Constituição Federal. Percebam que as iniciativas do TCU noticiadas não se restringem ao exame da forma como os órgãos da administração operam ou funcionam ao agir em relação a cada uma daquelas temáticas; elas abrangem a avaliação da ação em si e a expedição de recomendações relacionadas a objetos claramente estranhos à sua competência constitucional.  

Além das ressalvas de ordem jurídica, não se pode deixar de questionar a viabilidade de um único órgão examinar temas tão diversos. Nessa perspectiva, duas perguntas se colocam: 1) o TCU estaria apto a analisar assuntos como segurança cibernética, sistemas de votação, prevenção ao assédio, segurança sanitária?; 2) dotar o controlador das expertises imprescindíveis para que se posicione sobre todos aqueles temas seria alternativa eficaz e econômica em prol do correto exercício da função administrativa?  

Mesmo sem responder às referidas questões, fato é que o TCU vem se debruçando sobre ampla lista de assuntos, e ainda o faz sob a forma de instância revisora. Aqui pode residir um outro problema: a atuação na qualidade de instância revisora carrega a presunção de que seria mais capacitado que os órgãos fiscalizados nas respectivas matérias, ideia que parece (retro)alimentar a hipertrofia de sua atuação.  

O TCU foi concebido para atuar como auxiliar do Poder Legislativo no exercício do controle externo. Ainda que possa haver discussões sobre seu papel e se teria competência para, por exemplo, interferir na regulação administrativa e atuar ex-ante da ação da administração pública, não parece razoável cogitar que o TCU poderia recomendar a exigência de vacinação, avaliar mecanismos de prevenção ao assédio moral e regras para a exploração de animais aquáticos. As notícias revelam estar em tempo de resgatar sua identidade.