O TCU preocupa-se com a receita pública?

JOTA.Info 2022-09-21

Pessoas pagam ou deixam de pagar tributos por motivos variados. Em todo início de ano letivo, uma das primeiras indagações que faço aos meus alunos é sobre a disposição de pagá-los. Os alunos respondem que não gostam, mas a maioria admite sua importância para o financiamento dos programas sociais e outras despesas públicas.

Os motivos para pagar seus tributos variam: pagam por reconhecerem a relevância, por justiça social ou por receio das sanções. Sanções nem sempre são suficientes para convencer, pois envolvem um cálculo de custo-benefício do contribuinte. Nesta ponderação, muitos escolhem a inadimplência.

Diante desse quadro, compete à Fazenda Pública promover os meios legais para fazer cumprir a legislação: cobrar, incentivar o pagamento, dedicar-se à arquitetura da escolha. Deve majorar o custo e reduzir o benefício pelo não pagamento de tributos[1]. E essa arquitetura deve ser objeto de análise do TCU, cuja tarefa será determinar o grau de efetividade na recuperação de crédito pela Fazenda Nacional.

A Constituição atribui ao TCU a tarefa de “julgar as contas” dos “responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta” (art. 71, II). O Tribunal deve fiscalizar, portanto, não apenas os agentes públicos diretamente envolvidos em processos de despesa, mas também aqueles incumbidos da arrecadação de tributos.

Contudo, os Tribunais de Contas, em geral, parecem se preocupar mais com o destino do dinheiro do que com a sua entrada nos cofres públicos. É o que sugere recente apreciação das contas presidenciais pelo TCU.

No Parecer Prévio sobre as Contas do Presidente da República (TC 008.731/2022-5 – clique aqui), há duas preocupações proeminentes acerca da receita pública: arrecadação (sobre si mesma e como parâmetro para aplicação dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF) e renúncia de receita (que possui regras claras na LRF). Entretanto, o TCU analisa as “ações de recuperação de créditos” em poucas páginas (nas páginas 331 a 339 e 463 do Parecer – disponível aqui), não obstante serem os valores totais muito significativos (mais de R$2 trilhões[2]), demonstrando pouca preocupação com a responsabilidade fiscal na arrecadação.

No âmbito da arrecadação de recursos públicos o TCU pode contribuir não apenas com o julgamento de contas dos responsáveis, mas também de maneira mais ampla, produzindo diagnósticos e sugestões de aprimoramento a partir de fiscalizações operacionais (arts. 70 e 71, caput, da Constituição).

É fundamental que o TCU, como órgão de controle, se debruce sobre o tema, pois apenas se realizam despesas se houver arrecadação capaz de financiá-las. Se o TCU não fortalece os esforços para fiscalizar a recuperação de créditos, cria, indiretamente, incentivo à inadimplência e prejudica o correto funcionamento do Estado.

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[1]     A Fazenda Nacional possui normas próprias para recuperação de créditos tributários, para a classificação da recuperabilidade da dívida e para transação tributária. Atualmente, vige a Portaria PGFN 6753, de 29 de julho de 2022.

[2]     “Quanto ao grau de recuperabilidade dos créditos inscritos em Dívida Ativa da União na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que totalizam R$ 2.666,5 bilhões, 10,4% estão na classe (rating) “a – alta perspectiva de recuperação”; 25,0% na classe “b – média perspectiva de recuperação”; 13,6% na classe “c – baixa perspectiva de recuperação”; e 51,0% na classe “d – créditos considerados irrecuperáveis”.” (Parecer sobre as Contas do Presidente).