TCU e o controle de contas ‘líquido’

JOTA.Info 2023-01-25

“Modernidade líquida” é como Zygmunt Baumann descreveu a vida contemporânea, marcada pela “convicção crescente de que a mudança é a única permanência, e a incerteza, a única certeza”.

Além da modernidade, a liquidez parece ter alcançado o controle de contas. É o que sugere recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que revisitou o tema das empresas privadas com participação estatal.

O TCU tem competência sobre sociedades empresariais em que o Estado participe como investidor, na qualidade de acionista minoritário? A dúvida é antiga, assim como a resposta dada pelo legislador.

No final da década de 1970, o Congresso Nacional aprovou leis conferindo maior clareza às competências do TCU. Um marco, ainda vigente, foi a lei 6.525/1978, que estabeleceu o controle do TCU sobre “entidades com personalidade jurídica de direito privado” em que o estado seja detentor “da totalidade ou da maioria das ações ordinárias”.

O critério escolhido pelo legislador para a incidência do regime de direito público, e submissão ao controle do TCU, foi a titularidade estatal da maioria do capital votante (as “ações ordinárias”). Qual a lógica? Estabelecer um critério claro, objetivo e seguro quanto ao regime aplicável – no caso, o número de ações ordinárias de propriedade estatal. Posteriormente, o critério foi incorporado por leis como a de responsabilidade fiscal e das estatais.

Por várias décadas, o próprio TCU defendeu tal critério, ainda presente em sua súmula nº. 75. Contudo, em decisão do final de 2022, o órgão buscou inovar na matéria.

No caso, o TCU analisou se o regime público, inclusive quanto ao controle de contas, seria aplicável às “situações fáticas em que a maioria absoluta do capital votante pertença a um particular e haja, porém, algum instituto jurídico, como o acordo de acionista, que materialize … controle estatutário compartilhado com o ente estatal”.

O entendimento vencedor, sustentado pelo ministro relator, foi que “configurada a existência de controle material em determinada parceria (influência dominante), essas entidades sujeitar-se-ão aos princípios a que se submetem a administração pública, assim como à fiscalização pelos órgãos de controle”.

A ideia é que, “em que pese a complexidade de operacionalização desse exame”, o regime jurídico incidente seja determinado pelo TCU em “avaliação individual de cada parceria” com a iniciativa privada.

A proposta, que parece incompatível com o direito vigente, traz preocupações que há muito o legislador buscou afastar: sem o critério objetivo da “titularidade estatal da maioria do capital votante”, como conferir previsibilidade ao regime jurídico de empresas com participação estatal? O critério da “influência dominante” permitirá que a empresa transite entre os regimes público e privado a depender do resultado das deliberações de sua assembleia? Nesse caso, como definir o escopo temporal do controle pelo TCU?

No paradigma do controle de contas líquido, a única certeza é de insegurança jurídica.