A democracia depende da efetividade e da integridade do governo

JOTA.Info 2023-01-25

Os tristes atentados à democracia ocorridos em Brasília, no último domingo (8/1), com demonstrações de intolerância, violência e vandalismo lembraram a todos que a democracia brasileira requer atenção. Pertencem a esta mesma cena atos não menos preocupantes, como a posse da chefia do Executivo sem o rito oficial de passagem da faixa presidencial, a disseminada contestação das eleições em grupos de redes sociais e a já duradoura mobilização de segmentos da sociedade e de setores do Estado pedindo uma ruptura institucional. Pesquisas de opinião apontam ainda ceticismo de parte da população em relação à atividade política de um modo geral e às capacidades dos poderes constituídos, em particular. Nesse quadro, a principal pergunta a guiar a atuação dos democratas deveria ser a de como restabelecer a confiança nas instituições e assim desmobilizar a descrença que joga água no moinho de autocratas populistas.

A pergunta comporta uma miríade de respostas: a atuação precisa e enérgica do sistema de Justiça para sustentar a Constituição Federal e as regras eleitorais, a articulação do Congresso Nacional para fazer valer a representação democrática, a retomada do diálogo político como condição de convivência em sociedade. Há, no entanto, duas agendas de governo decisivas e complementares nesta dura tarefa de recuperar a democracia como um imperativo civilizatório, são elas: incrementar a efetividade e garantir a integridade das políticas públicas.

Incrementar a efetividade significa ampliar a responsividade das ações governamentais. As políticas públicas precisam atender mais satisfatoriamente os cidadãos, o que requer capacidades técnicas e políticas dos gestores públicos. Nas mais diversas áreas, de políticas com largo apoio na sociedade, como é o caso da educação, a políticas mais controversas, como as políticas industriais, os gestores precisam atentar para as melhores evidências, para a escolha adequada dos instrumentos, e para a adoção de confiáveis dispositivos de monitoramento de sua implementação. Mais ainda, a boa gestão precisa de escuta e atenção, de uma relação entre governo e sociedade que habilite a formulação de agendas promissoras, a rápida identificação de erros e a correção de rotas. Para responder bem, o governo precisa ser tecnicamente hábil e politicamente sensível.

A agenda da efetividade, por sua vez, depende de uma agenda de integridade. Corrupção, em sua mais ampla concepção, deteriora as capacidades técnicas e a sensibilidade política, desfazendo os propósitos de responsividade. Essa visão não se confunde com moralismos vazios ou messianismos. Ao contrário, a corrupção, como favorecimento de interesses privados de forma opaca e distorcida, obstrui o acesso ao poder político, além de, muitas vezes, distorcer o acesso ao mercado. Gera, portanto, mais desigualdade política e econômica. A longo prazo, a persistência da corrupção como regra do jogo mina a credibilidade das autoridades, restringindo o interesse das pessoas em ações governamentais, e limita assim a potência construtiva do diálogo e do aprendizado estabelecido entre governo e sociedade. Combater a corrupção apenas por combatê-la possui alcance limitado. Contudo, sem uma política de prevenção e controle eficaz e legítimo da corrupção, não se constroem políticas públicas efetivas, confiança na ação governamental, tampouco responsividade democrática.

A efetividade e a integridade de políticas públicas são temas transversais de que devem se ocupar os 37 ministros e ministras e presidentes de estatais e autarquias. Há, no entanto, ao menos três arenas no Estado com potencial de se tornarem protagonistas para estas agendas — a Casa Civil, o recém recriado Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social Sustentável e a Controladoria-Geral da União.

A Casa Civil poderia incrementar seu papel de coordenação das políticas e ações governamentais, com a eleição de prioridades, avaliação de foco, e criteriosa análise dos instrumentos selecionados pelos demais gestores. Faria bem à gestão pública brasileira uma maior centralidade de sua governança, sobretudo neste momento em que as capacidades estatais foram bastante fragilizadas. O Conselhão pode e deve cumprir o relevante papel da escuta, para o que são decisivos os critérios de sua composição, bem como a recorrência de reuniões e a transparência de suas deliberações. Os diferentes setores da sociedade civil podem ter, neste foro, um privilegiado espaço para colaborar na formulação de políticas consistentes e com amparo na realidade. Nesta tríade, cabe à CGU monitorar ações e controlar desvios culposos e dolosos, prospectando e difundindo boas práticas de integridade locais e globais, em um esforço de fazer da integridade parte da gramática política indissociável da boa gestão pública.

A democracia em diversos países do mundo tem sido objeto de ataques, por vezes diretos, por vezes oblíquos. Já no Brasil, a formação de uma frente ampla e a eleição de uma coalizão democrata abriu uma janela de oportunidade para refrear avanços autoritários. O sucesso dessa empreitada dependerá não apenas do sistema de Justiça, por mais fundamental que seja. Sobretudo neste momento, o compromisso com a democracia requer capacidade de entrega do governo, para o que efetividade e integridade são variáveis críticas.