Por que o número de partidos políticos importa?

JOTA.Info 2023-04-04

Na semana passada, cinco partidos criaram formalmente na Câmara dos Deputados um novo bloco reunindo 142 dos 513 deputados. Até então integrante de um trio ao lado do PL de Jair Bolsonaro e do PP de Arthur Lira, o Republicanos aderiu a MDB, PSD, Podemos e PSC, formando a maior força política da Casa. O que chama atenção é o fato de que a sigla, que faz oposição ao governo Lula, se une a MDB e PSD, siglas que compõem a base de apoio do petista, com seis ministérios.

Integrantes deste bloco dizem que a aproximação pode ser um estímulo para adesão futura de parte do Republicanos à base de Lula, embora haja empecilhos, como a avaliação consensual de que nenhum partido de direita deve dar apoio total ao governo e o fato de a legenda abrigar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nome cotado para a disputa presidencial de 2026. Ainda assim, é um passo relevante no equilíbrio de forças que organiza o Legislativo brasileiro. Pode-se atribuir esta movimentação no Congresso à nova legislação que rege o funcionamento dos partidos políticos com diversas consequências tanto nos trabalhos do Legislativo como no funcionamento do sistema partidário em geral.

Em relação ao funcionamento do Congresso brasileiro, é praticamente consenso na literatura a respeito do presidencialismo de coalizão o fato de que há um número muito grande de partidos com representantes eleitos. Mesmo ponderando pelo número de assentos que cada sigla ocupa, o que reduz a importância de legendas que elegem apenas um ou dois deputados, o Brasil é tido como o Legislativo mais fragmentado do mundo. A mudança na lei que valeu já para a eleição de 2022 surtiu efeito e o número de partidos no Congresso reduziu para esta legislatura. E por que isso importa?

Por ser um sistema multipartidário, o presidente da República não vê normalmente o seu partido formar maioria no Legislativo para garantir-lhe apoio à sua agenda. Apenas em condições muito excepcionais, um único partido teria cadeiras suficientes para governar sozinho: seria preciso que a legenda do presidente alcançasse número de cadeiras na Câmara de Deputados suficiente para aprovar um projeto (257 assentos) ou uma PEC (308), por exemplo. O PT hoje possui 68 deputados e o partido com a maior bancada, o PL, possui “apenas” 99. A elevada fragmentação demanda que o presidente busque formar uma coalizão, como já explicado em uma coluna anterior aqui mesmo. A formação de blocos, estimulada pelas alterações legais que vêm sendo introduzidas ao longo dos anos no país, torna o cenário menos caótico, facilitando a formação e o gerenciamento de acordos de coalizão.

Porém, há uma outra dimensão a respeito do número de partidos que é pouco discutida entre os estudiosos que avaliam a dinâmica legislativa no país. Volta-se ao aspecto direto da representação política. Se vivemos em uma democracia representativa, em que pessoas são escolhidas para decidir pelas demais, os partidos são peça-chave neste processo.

Os partidos são agrupamentos de pessoas em torno de pautas e temas que fazem mediação entre o cidadão comum e as decisões políticas. É através deles que qualquer um de nós se apresenta como candidato ou, no que é mais comum, escolhe um representante para os diferentes cargos eletivos existentes no país. Assim, o número de legendas presentes no sistema partidário de um país formaria o rol de opções disponíveis para que o eleitor pudesse escolher a candidatura que melhor lhe representa. Neste sentido simples, quanto maior o número de opções apresentadas em uma eleição, maiores as chances de que diferentes pontos de vista fossem representados.

No caso do Brasil, a regra eleitoral que vale para o cargo de deputado federal, em particular, fomentaria que as muitas minorias encontrassem representação, apesar de, na prática, muitas delas ainda serem sub-representadas. Por outro lado, um número maior de opções tornaria o sistema de difícil compreensão para o cidadão comum, que precisaria gastar muito tempo e energia para identificar e distinguir os partidos entre si. Sob a ótica dos eleitores, número maior de partidos significa maior número de propostas apresentadas, enquanto número menor de siglas implica em maior clareza a respeito do que cada partido defende. Neste contexto, é difícil ou quase impossível saber de antemão qual deveria ser um número ideal de proposições em que um tema divide a população, e assim determinar qual seria o número ideal de partidos do ponto de vista do cidadão. 

Mas, aqui, caímos em um outro problema: há tempos que se fala sobre a “crise na democracia representativa”: não só no Brasil, mas no mundo inteiro os partidos não são muito bem apreciados. São reconhecidamente incapazes de oferecer posições políticas que reflitam a heterogeneidade das diferentes populações do mundo. A intermediação que exercem não é capaz de satisfazer os cidadãos e, consequentemente, muitas críticas à própria democracia vêm sendo feitas em muitos países.

Surge assim uma situação de difícil equilíbrio: por um lado, um parlamento com menor número de siglas tornaria o processo decisório mais simples por implicar quantidade menor de atores na negociação. A governabilidade se torna menos custosa e a responsabilidade decisória mais clara para todos. Por outro lado, número menor de partidos significa potencialmente maiores chances de muitos interesses legítimos ficarem sub-representados. Naturalmente, provocaria insatisfação. Mas se no Brasil há muitas legendas, por que as pessoas se sentem insatisfeitas com o trabalho dos políticos e dos partidos?

No caso brasileiro, há ainda mais um aspecto importante que explica esta situação: o elevado número de siglas é, na verdade, a mesma elite política que se fragmenta em outros grupos, dando pouco espaço para que novas forças apareçam.

O surgimento do PSD, a partir da dissidência do DEM, é um dentre inúmeros exemplos desta situação: o partido se forma com um elevado contingente de políticos já eleitos para diferentes cargos e o eleitor tem reais dificuldades de distingui-lo do partido de origem. De outra parte, demandas populares para a criação de novos partidos, talvez mais representativos, que vêm sendo tentadas sem sucesso nos últimos anos seriam uma possibilidade de arejar um sistema que se fragmenta sem qualquer impacto na abrangência representativa. Ou seja, uma legislação que favoreça que novas legendas surjam composta por indivíduos que não ocupam cargos públicos pode aumentar o leque de opções políticas à disposição do cidadão comum e arejar o sistema, que se fragmentou até a última eleição em um sem-número de opções quase indistinguíveis entre si.

Se a governabilidade do país era uma questão importante no debate público e acadêmico no imediato pós-1988 e permanece como aspecto central do cenário político brasileiro, embora as dúvidas quanto a esta capacidade estejam praticamente resolvidas, o número de partidos do sistema brasileiro ainda continua relevante. As lógicas da governabilidade e da representação eleitoral não conduzem às mesmas conclusões. Reduzir o número de partidos com assento no Legislativo é significativo, mas não pode vir às custas da representação real de parcelas hoje excluídas da vida política do país.