A importância do intercâmbio energético para o Brasil
JOTA.Info 2023-04-11
O Brasil realiza importação e exportação de energia elétrica há quase duas décadas. É um importante mecanismo para reduzir riscos de abastecimento no mercado nacional durante o período seco do ano, que vai de abril a setembro, bem como para criar oportunidades comerciais e auxiliar no fornecimento de energia para os países vizinhos.
Atualmente, o Brasil possui conexão com a Argentina – por meio de três estações conversoras, que totalizam a possibilidade de intercâmbio de até 2.350 MW – e com o Uruguai, por meio de duas estações conversoras, que totalizam o montante de 570 MW.
Tendo em vista as necessidades e os tratados comerciais entre os países, há diversas modalidades de importação e exportação, que podem ser resumidas da seguinte maneira:
Importação/exportação com devolução
Nessa modalidade, toda a energia recebida deve ser devolvida, não havendo transação financeira. Esse tipo de operação ocorre em três situações: emergencial, que visa suprir situações de déficit de geração ou de transmissão que comprometam o abastecimento em um país; com caracterização de energia de oportunidade, quando há, em um determinado país, sobras de energia hidráulica (situação de água sendo vertida dos reservatórios sem a geração de energia), de modo que a exportação representa oportunidade de ganhos bilaterais; e para testes, quando o intercâmbio energético é necessário para a realização de testes nas estações conversoras e/ou outros equipamentos associados.
Importação/exportação sem devolução
Essa modalidade também ocorre em três situações distintas. A primeira é a importação comercial, cujo objetivo é a substituição de geração termelétrica, com custo mais caro ou para fins de segurança energética, de modo a suprir deficiências de geração ou transmissão no Brasil. A segunda é a exportação comercial de energia termelétrica, utilizada para suprir deficiências de geração ou transmissão na Argentina e/ou Uruguai, desde que essas usinas termelétricas não estejam sendo despachadas para atendimento ao mercado brasileiro.
A terceira é a exportação comercial de energia hidráulica, que utiliza energia elétrica de usinas hidrelétricas que estão vertendo água ou estão na iminência de realizar esse processo. Tendo em vista que essa água seria “desperdiçada”, utiliza-se para a geração de energia para fins de exportação para a Argentina e/ou Uruguai.
E é esse último tipo de exportação que está sendo realizada atualmente pelo Brasil e que iremos olhar com um pouco mais de detalhes.
Em outubro de 2022, por meio da Portaria Normativa 49/GM/MME/2022, foi implementada a operação para venda de excedentes de energia elétrica para Argentina e Uruguai, qualificada como Exportação de Vertimento Turbável (EVT).
Por intermédio dessa nova operação é possível aproveitar a água que seria desperdiçada pelas usinas hidrelétricas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), com propósito de gerar energia e comercializá-la com os países vizinhos (Argentina e Uruguai).
Em poucas palavras, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) operacionalizará o processo competitivo periodicamente, em parceria com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Será de competência do ONS: divulgar as usinas que demonstrarem a possibilidade de participar da exportação; receber as ofertas de exportação realizadas na CCEE pelos comercializadores habilitados; e considerá-las na programação, a depender da necessidade do sistema.
Podem participar desse procedimento tanto agentes autorizados pelo Ministério de Minas e Energia (MME), quanto agentes não autorizados. No entanto, tal hipótese é viabilizada por meio da celebração de contrato bilateral com agente comercializador detentor de autorização para realizar a exportação. Em síntese, a operação contará com três fases:
Fase 1/Pré-processo competitivo: Comprovação do adimplemento do agente com as obrigações setoriais, bem como com sua habilitação para o certame. Além disso, engloba ato relevante e condicionante para participação da exportação, que é o aporte de garantia financeira pelo agente exportador junto ao agente de liquidação (banco Bradesco), para participar do processo competitivo.
Fase 2/Processo competitivo: O agente comercializador poderá realizar ofertas para o dia seguinte ou posteriores diariamente, no intervalo das 8h às 10h, inserindo as informações exigidas pelo sistema. No término da janela de lances, o sistema fará o empilhamento, utilizando critério de maior preço dos lances. A CCEE enviará o resultado para o ONS. O Operador verificará se há interesse dos países vizinhos; e se há vertimento viável, a partir dessas informações preparará programação para o dia seguinte.
Fase 3 | pós processo competitivo: Semanalmente, a CCEE dispensará as garantias financeiras dos agentes que não negociarem no procedimento competitivo. Ainda, mensalmente, a CCEE e o ONS apurarão o processo Competitivo, com propósito de verificar as ofertas vencedoras dos agentes participantes.
Realizada toda a operacionalização no âmbito da contabilização operacionalizada pela CCEE, o agente exportador deve negociar diretamente com os representantes da Argentina e do Uruguai o preço e condições da venda, conforme determina a Portaria 49/2022.
Considerando a importância do processo competitivo para que a energia hidráulica no Brasil seja melhor remunerada e o processo tenha sua eficiência garantida, verifica-se que a regulação da EVT carece de alguma melhorias. Isso porque, ao deixar que as contrapartes negociem com as partes compradoras, bilateralmente, há incertezas e práticas que podem ocorrer e macular o procedimento. E se a(s) parte(s) compradora(s) estabelecerem preços diferentes para cada exportador brasileiro? E se a(s) parte(s) compradora(s) decidir(em) negociar somente com um ou alguns exportadores?
São algumas das muitas indagações que podem ser feitas e que devem ser refletidas na melhor regulação da Portaria 49/2022. Atualmente, talvez em razão da divulgação do primeiro resultado da EVT na qual somente um agente exportador sagrou-se vencedor, a CCEE já realizou duas atualizações do Fator de Ganho Mínimo (FGM), que é utilizado para o cálculo do preço mínimo a ser ofertado no certame.
As atualizações do FGM são bem-vindas e vão ao encontro da melhoria do mecanismo. Este ajuste é importante para os países envolvidos e, caso bem operacionalizado, trará ganhos financeiros aos agentes envolvidos e ao consumidor brasileiro, uma vez que a justa remuneração pela energia vertida turbinável irá para os integrantes do MRE, que é composto também pelos consumidores de energia por meio das concessionárias de distribuição.
*
Colaborou Victória Sant’ana Viola, da equipe de Energia do Lefosse