Prescrição no TCU: um balanço dos últimos seis meses
JOTA.Info 2023-04-12
Em outubro do ano passado, em decisão histórica, o plenário do TCU aprovou a Resolução 344, que estabeleceu regras para contagem da prescrição nos processos do tribunal.
Como principal inovação, a resolução dispôs que a pretensão ressarcitória é prescritível em cinco anos, superando antiga jurisprudência, que defendia a imprescritibilidade. Ela também diminuiu de 10 para 5 anos o prazo para aplicação de sanções (multas, por exemplo). Fixou, ainda, de maneira inédita, regramento sobre a prescrição intercorrente nos processos do tribunal.
As novas regras detêm nítido potencial para limitar as condenações impostas pelo TCU. Por outro lado, nos últimos anos, o tribunal tem resistido a reformas que busquem disciplinar suas competências. Daí a pergunta: como o TCU tem aplicado, na prática, o novo regime prescricional?
Os dados mostram, em primeiro lugar, que o debate sobre prescrição ganhou mais relevância no cotidiano do TCU. Nos seis meses seguintes à Resolução 344, o tema da prescrição apareceu no sumário de 323 acórdãos, número maior do que o verificado em período anterior semelhante, em que a resolução não existia (168 acórdãos)[1].
Além disso, o TCU vem reconhecendo a prescrição em quantidade significativa de processos. Considerando-se a amostra de 323 acórdãos proferidos nos últimos 6 meses, o tribunal reconheceu a prescrição em 62% dos casos, inclusive em processos em que se discutia o ressarcimento de danos causados ao erário.
Alguns julgados, porém, revelam brechas na Resolução 344, que continuam conferindo ao TCU boa dose de discricionariedade. Quanto ao termo inicial da prescrição, por exemplo, a resolução estabeleceu sistemática complexa, em que o termo inicial varia de acordo com o contexto. Em processos de “prestação de contas”, o termo inicial será a data da apresentação, pelo agente público, das informações sobre determinado ato (art. 4º, II). No entanto, caso a irregularidade surja em “fiscalização do tribunal”, o termo inicial será a data do “conhecimento da irregularidade” (art. 4º, IV). São regras que, em muitos casos, entrarão em conflito. Não à toa, é possível encontrar decisões que elegem marcos iniciais diversos, como a data da autuação do processo no TCU (Acórdão 243/23-P), o recebimento de denúncia por empresa estatal (Acórdão 256/23-P) ou a juntada de relatório que descreve ilícitos identificados em auditoria (Acórdão 149/23-P).
Essas indefinições parecem decorrer da natural dificuldade de se interpretar e aplicar norma nova – e não de uma eventual intenção do TCU em dificultar o reconhecimento da prescrição. Tanto é que, em vários processos, o TCU tem optado por uma postura hermenêutica mais favorável ao acusado (Acórdão 534/23-P, por exemplo).
O balanço nesses seis meses é, portanto, positivo. A Resolução 344 deslanchou um processo de amadurecimento da jurisprudência do TCU, que tende a consolidar um regime prescricional mais previsível. Seria razoável, no entanto, que o TCU adotasse, de forma mais contundente, certas diretrizes que costumam condicionar o exercício do poder punitivo estatal, como a impossibilidade de aplicação retroativa de regra prescricional mais gravosa.
Toda essa análise não pode, contudo, nos afastar do essencial: o regime prescricional aplicável ao TCU deveria ser objeto de lei, aprovada pelo Congresso Nacional. Enquanto ela não chega, a experiência do TCU na interpretação e aplicação da Resolução 344 pode jogar luz sobre boas práticas e dificuldades na regulação do assunto.
[1] Nesse levantamento, consideramos o período entre 12.10.2022 e 11.04.2023 (posterior à resolução) e o período entre 12.10.2021 e 11.04.2022 (anterior à resolução).