O STF impede o ‘drible’ do TCU

JOTA.Info 2023-05-31

Há dois anos, esta coluna manifestou preocupação sobre a interpretação que o Tribunal de Contas da União (TCU) conferiu ao Tema 445, no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de que “em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas.

Aproveitando-se de um trecho descontextualizado do voto do ministro Gilmar Mendes nos embargos de declaração, o TCU reinterpretou a tese do STF no sentido de que “passados cinco anos, contados de forma ininterrupta, a partir da entrada do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão no TCU, sem sua apreciação, o ato será considerado registrado tacitamente, abrindo-se, a partir daí, a possibilidade de sua revisão, nos termos do art. 54 da Lei 9.874/1999” (Acórdão 106/2023 – Plenário).

Em outras palavras, o TCU poderia, de ofício, rever a legalidade do ato de aposentadoria em até cinco anos após o seu registro tácito. Os cinco anos do STF transformaram-se em dez anos no TCU – cinco anos para a estabilização e cinco anos para a revisão de ofício.

Consideramos a interpretação do TCU um “drible” na tese firmada pelo STF. Afinal, o voto do ministro Gilmar Mendes já tinha deixado claro que o TCU tem o prazo de cinco anos para proceder ao registro de aposentadoria, “após o qual se considerarão definitivamente registrados” e “findo o referido prazo, o ato de aposentação considerar-se-á registrado tacitamente, não havendo mais a possibilidade de alteração pela Corte de Contas.” (p. 66, grifo nosso). Portanto, não há como “rever o que não foi visto” após os cinco anos, sobretudo porque não é coerente algo ser considerado estável (definitivo), mas estar sujeito à revisão.

Como bom marcador, o STF tem impedido o “drible” do TCU, reafirmando o que foi decidido no Tema 445.

A título exemplificativo, merece destaque a decisão monocrática, em fevereiro deste ano, do ministro Gilmar Mendes no mandado de segurança 38.695/DF. No caso, o ato de concessão inicial da impetrante chegou ao TCU – data do seu protocolo – no ano de 2012, mas a decisão sobre a sua legalidade pela Corte de Contas se deu apenas em 2019. A segurança foi concedida pelo Ministro para cassar a decisão do TCU, reconhecendo-se a decadência. Se prevalecesse a interpretação do TCU, não teria decorrido o prazo para a revisão de ofício, que só se encerraria em 2022.

A decisão não é única. Há outras decisões monocráticas (MS 36.731, MS 37.220) e colegiadas (AgRg em MS 36.883, AgRg em MS 37.324) do STF no sentido de que após o quinquênio, dá-se o registro tácito da aposentadoria, que não pode mais ser revisto.

Até quando o TCU vai insistir na sua interpretação, gerando mais judicialização e menos segurança jurídica? O “drible”, como se vê, não tem funcionado.