Mesmo inelegível, Bolsonaro ainda pode ser bala de prata contra a democracia

JOTA.Info 2023-06-30

Acabou, p…! Com essa expressão, emulando os arroubos mais autoritários e impublicáveis de Jair Bolsonaro, é que os mais exaltados opositores ao ex-presidente devem ter reagido ao fim do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que decidiu pela inelegibilidade do inquilino do Planalto entre 2019 e 2022.

Para os bolsonaristas, porém, o mito — ou, na autodefinição do líder da extrema direita brasileira, imbrochável — provou ser o Messias castigado pelo sistema, ainda digno de uma insurreição segundo uma visão de mundo iliberal, tradicionalista — enfim, reacionária. Caso Bolsonaro recorra ao Superior Tribunal Federal (STF), será para completar a narrativa do herói dos camisas-amarelas. Afinal, a Suprema Corte vai referendar a decisão do TSE pois já demonstrou ser nada afeita a projetos de autocrata.

Pavimenta-se, assim, o caminho para que em 2026 Bolsonaro torne-se o grande eleitor da direita. Tal como o lulismo — populista, mas não autoritário —, o bolsonarismo não é um fenômeno contingenciável pelas instituições pois suas raizes são orgânicas. Ou seja, haverá bolsonarismo ainda que Bolsonaro esteja fora da urna eletrônica nas eleições vindouras, seja em figuras explícitas em seu propósito reacionário, como a ex-primeira-dama Michelle, ou revestidas da maquiagem barata da suposta direita moderada — caso de Tarcísio de Freitas, que comanda uma administração desastrosa no maior estado do país.

“A resposta que a Justiça Eleitoral dará confirmará nossa fé na democracia”, resumiu o ministro Alexandre de Moraes no voto derradeiro, que sacramentou o placar final de 5 a 2 pela inelegibilidade de Bolsonaro. Falta, caro ministro, combinar com os russos, para lembrar Garrincha na Copa de 58. Os russos, neste caso, são não apenas os seguidores mais fanáticos do ex-presidente, mas também o eleitorado de direita que se diz sem alternativas e se recusa a votar em Lula ou qualquer outro nome da centro-esquerda.

Os “russos” que deram 58 milhões de votos a Bolsonaro no segundo turno em 2022 indicam que a democracia é um conceito relativo — algo com o qual Lula concordaria, tal como sugerido nesta quinta-feira (29) em reunião do Foro de São Paulo, quando o atual presidente defendeu o regime de Nicolás Maduro na Venezuela.

Não, prezado leitor: Lula e Bolsonaro não são faces opostas de um mesmo fenômeno. Porém, o primeiro joga lenha no trem do segundo ao fazer declarações desse tipo. Não tenho dúvidas de que há no PT entusiastas de modelos autoritários de esquerda como o regime de partido único da China e apoiariam sua implementação no Brasil. Todavia, o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva já deu provas cabais de ser um democrata da melhor estirpe.

Bolsonaro, por sua vez, limita-se a ter sido a última encarnação da tradição autoritária brasileira que despreza o povo, o qual não saberia votar e, portanto, não seria digno de comparecer às urnas. Essa democracia sem povo é aquilo que hoje, em maior ou menor escala, o bolsonarismo e suas linhas auxiliares defendem.

O câncer da extrema direita tem raizes sociais, tal como expressado pela bancada BBB — Bíblia, bala, boi. Penalizar apenas Bolsonaro é a receita para a vitimização desse grupo que, se não é totalmente de extrema direita, defende posições contra a esquerda democrática. Esta é talvez o único segmento que ao lado de poucos nomes da centro-direita, como Simone Tebet, professa fé na democracia imaginada por Moraes: inclusiva, sem o ódio dos covardes milicianos digitais.

A guerra pela consolidação da democracia no Brasil está longe de estar vencida. Quiçá esta batalha tenha sido uma vitória pírrica. Por ora, é a vitória possível para nossa frágil República centenária, porém adolescente, ainda sedenta por um poder moderador e falsos Messias.