TCU deixa de aplicar inidoneidade à empresa que teve seu controle alienado

JOTA.Info 2023-07-17

No último dia 21 de junho, o plenário do TCU proferiu decisão que é um verdadeiro leading case no âmbito do direito administrativo sancionador. Trata-se do Acórdão 1.257/2023-Plenário, relatado pelo ministro Benjamin Zymler.

O caso versou sobre suposto conluio entre empresas no âmbito de uma licitação. Inicialmente, havia se entendido pelo cabimento da declaração de inidoneidade às duas empresas acusadas (artigo 46 da Lei Orgânica do TCU), além de outras penalidades às pessoas físicas envolvidas. Contudo, no acórdão, o plenário do TCU se debruçou sobre um ponto adicional, que diz respeito aos efeitos da alienação do controle de uma das empresas acusadas. 

Basicamente, antes que se iniciasse o processo de apuração dos fatos, houve a aquisição do controle de uma das empresas por um grupo chinês atuante em obras de infraestrutura. Esse grupo não tinha até então nenhuma relação com os controladores anteriores nem com os fatos investigados. Assim, levou-se ao TCU a seguinte questão: faz sentido aplicar a pena de inidoneidade à empresa supostamente envolvida nas acusações se hoje ela é uma “nova empresa”, submetida a um novo controlador, que inequivocamente não participou dos atos investigados? 

Note-se que a empresa acusada continuou existindo. Não houve sua cisão nem incorporação, como observado pelo acórdão. Ocorreu apenas a alienação do seu controle acionário. Mesmo assim, o entendimento unânime do plenário do TCU foi o de que não fazia sentido penalizá-la. Dentre os fundamentos adotados para essa conclusão, três merecem destaque. 

Primeiro, considerou-se que o caso em análise é bem diferente de outras situações já analisadas pelo TCU em que a alienação de controle configurou tentativa de burlar a aplicação de penalidades (p.ex., Acórdãos 1.246/2020-Plenário e 2.914/2019-Plenário, ambos de relatoria do ministro Zymler). A alienação se deu a terceiro de boa-fé, que fez uma due diligence, a qual não constatou a existência de nenhum questionamento até então. 

Segundo, levou-se em conta o objetivo da penalidade prevista no artigo 46 da Lei Orgânica do TCU, que é “evitar que o Poder Público continue contratando com empresas controladas por pessoas que não reúnam o requisito moral necessário”, como consignou o acórdão. Com base nisso, concluiu-se que, se houve uma alteração de controle a um terceiro de boa-fé, que não tem qualquer relação com as condutas supostamente praticadas pelo controlador pretérito, não é cabível a aplicação da penalidade. O “conteúdo” da empresa mudou. 

Terceiro, o acórdão ponderou que se deve dar concretude ao artigo 20 da LINDB, segundo o qual devem ser consideradas “as consequências práticas da decisão”. No caso, declarar a inidoneidade da empresa afetaria investimentos que ela está executando, de alguns bilhões de reais, em obras públicas de grande relevância ao país. 

A decisão do TCU comprova que a noção de self-cleaning de empresas acusadas de atos ilícitos, já sedimentada há muito tempo no direito europeu (e positivada na Diretiva 2014/18/EC), é plenamente compatível com o ordenamento brasileiro. Elementos como as previsões da LINDB, a ideia de reabilitação de licitantes (artigo 163 da Lei 14.133) e o estudo de impacto invalidatório, com preocupações de ordem prática (artigo 147 da Lei 14.133) são alguns dos vários elementos normativos que conduzem a essa conclusão.  

Na feliz síntese do voto condutor do acórdão: “Creio que este leading case, além de prestigiar a segurança jurídica e os direitos de terceiros de boa-fé, inaugure uma linha de entendimento que melhor se amolde ao interesse público”. 

De fato, espera-se que o tema ainda sofra importantes evoluções. Um ponto relevante, por exemplo, é que a troca de controle não é necessariamente o único instrumento para se assegurar que uma empresa promoveu o seu autossaneamento. Outras medidas menos drásticas podem ter o mesmo efeito, dependendo do caso concreto. Mas isso é assunto para outras reflexões.