Derrota da extrema direita espanhola indica caminho contra tentação antiliberal
JOTA.Info 2023-07-24
O resultado das eleições deste domingo (23) na Espanha demonstra que não é difícil derrotar a extrema direita caso as forças democráticas se comuniquem com a população sem ambiguidades. O primeiro-ministro Pedro Sánchez acabou por resistir à batalha na qual se enfiou voluntariamente ao convocar eleições antecipadas depois que o Partido Socialista Obreiro Espanhol (PSOE) foi derrotado em eleições regionais e municipais em maio passado. Enquanto isso, em Israel, foi aprovada nesta segunda-feira (24) pelo Parlamento liderado pelo ultradireitista Binyamin Netanyahu uma lei que limita a atuação da Suprema Corte do país.
Com uma campanha em que expôs os absurdos perpetrados pelo Vox — o principal partido de extrema direita da Espanha — contra os direitos individuais e minorias em administrações subnacionais, Sánchez parece ter conseguido mobilizar mais eleitores que o esperado. Assim, o PSOE subiu de 120 para 122 cadeiras no Congresso de Deputados, a câmara baixa do Parlamento espanhol. Já o Partido Popular (PP), de centro-direita, obteve 136 assentos contra 89 nas eleições anteriores.
O grande perdedor foi o Vox, que passou de 52 para 33 cadeiras, tornando, assim, impossível formar uma coalizão majoritária com o PP. Portanto, com o cenário inesperado de redução do poder da extrema direita, são elevadas as chances de Sánchez manter-se à frente do governo espanhol com seus atuais parceiros no poder ainda que o PP tenha obtido mais cadeiras que os socialistas. A centro-direita, por sua vez, reivindica o direito de formar um governo, sendo necessária uma coalizão de 176 deputados para atingir a maioria entre 350 assentos.
Não se pode descartar o fato de que o PP teve mais votos e abocanhou na prática eleitores do Vox por conta da própria ação do PSOE em expor as contradições e, portanto, os perigos da extrema direita. Ademais, o fato de que as eleições ocorreram em plenas férias de verão pode ter desmobilizado eleitores, contribuindo, assim, para o resultado, que também pode levar a uma nova eleição caso nem PP nem PSOE consigam formar um novo governo.
De toda forma, a ascensão do Vox parecia ter limites, pois a Espanha adota um sistema de eleições parlamentares em que os distritos — embora elejam mais de um representante — são de baixa magnitude. Ou seja, não chegam a ter o tamanho de um distrito brasileiro, equivalente a um estado, o qual pode chegar com a ter 70 cadeiras, como no caso de São Paulo. Em Israel, Netanyahu e seus colegas da ultradireita beneficiam-se de que o país como um todo é um único distrito para a eleição dos 120 membros do Knesset.
Conforme ensinou Maurice Duverger, distritos pequenos tendem a levar os políticos a se organizarem em poucas agremiações, como é o caso dos Estados Unidos, em que republicanos e democratas dominam o Congresso há mais de um século e cujos representantes são eleitos pelo sistema distrital. O que pode provocar rupturas em tal domínio são eventos externos ou transformações profundas na sociedade capazes de gerar realinhamentos políticos dentro dos partidos já existentes ou o surgimento de novas agremiações políticas ou coalizões.
Para o Brasil especificamente, as lições do que se passa na Espanha e em Israel indicam que, enquanto o Judiciário não for capturado por extremistas como acabou de acontecer no país do Oriente Médio, o sistema político pode se autocorrigir com a ação de empreendedores políticos como Sánchez. Numa aposta arriscada, o primeiro-ministro espanhol pode ter perdido o governo, mas acabou por contribuir para constranger o avanço da extrema direita na Europa e em escala global. Talvez tenha sido um golpe de sorte para a sobrevida da democracia liberal tal como foi a vitória de Lula sobre Bolsonaro em 2022. As tentações antiliberais podem, portanto, ser efetivamente combatidas enquanto o Judiciário não sofrer intervenções autocratizantes.